quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Homicídio motivado por disputa de ponto de tráfico.

Caros leitores, pedimos desculpas pela ausência na data de ontem, estávamos em Tribunal do Júri. Vamos então aproveitar dos fatos ontem julgados para a postagem de hoje.  Sigamos uma parte do que foi a julgamento:

a) Mévio era traficante conhecido de bairro da cidade X, sendo que vendia drogas em vários locais da cidade, inclusive no "Beco da Nice".

b) Tício, recém saído da cadeia em regime aberto, começou a vender drogas no "Beco da Nice".

c) Mévio não gostou da concorrência e se dirigiu ao local onde, além de discussão, ocorreram ameaças mútuas.

d) Dia seguinte às ameaças, Tìcio dirigiu-se à residência de Mévio e, sem qualquer palavra anterior e encontrando a janela aberta,  efetuou contra este vários disparos de arma de fogo que deram causa à morte.

A tese da defesa em plenário foi a negativa de autoria, contudo, durante as defesas escritas apresentadas durante a instrução, a defesa mencionou a possibilidade do homicídio privilegiado (Art. 121, § 1°, do CP), ante o "relevante valor social" eis que o réu teria eliminado um traficante.

Razão assiste à defesa?

Cremos que não. O relevante valor social é disposição de ordem subjetiva que visa a diminuição da pena em face do aspecto "nobre" que levou o agente praticar um homicídio. Os exemplos jurisprudenciais são escassos, mas a doutrina tem apresentado exemplos como "o amor a pátria" (Noronha), "matar o vil traidor da pátria" (Damásio).

Contudo, a motivação do homicídio  apresentado aos leitores, em nenhum momento é nobre, mas tão somente financeiro (e não venha dizer que há nobreza na ganância), e não somente financeiro mas ainda o ganho de lucro mediante prática ilícita (tráfico de drogas).

Ao contrário do relevante valor social, o que encontramos no caso é a torpeza, ou seja, o motivo que causa repugnância como justificativa da morte de outrem. Por sua vez, a torpeza é qualificadora do crime de homicídio.

Outra qualificadora encontrada é o uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, eis que os tiros foram de inopino sem qualquer aviso prévio.

Em questão de concurso realizado no Alagoas foi posta questão que em muito se assemelha aos fatos julgados ontem e compartilhado com os leitores, vejamos:


Para recuperar parte de seu território de venda de drogas, Mauro decidiu matar André, traficante rival. Com esse fim, Mauro entregou uma pistola de calibre .40 a Flávio, seu parceiro no tráfico, e o aconselhou que aguardasse André em um beco, para atingi-lo sem que os demais membros do grupo rival percebessem sua presença. Flávio se posicionou no local indicado e, com a aproximação de André, efetuou um disparo, que atingiu Joana, namorada de André. Na fuga, Flávio foi avistado em via pública por policiais militares (PMs) e, durante a perseguição, atirou, com a arma de fogo, na direção dos PMs, no intuito de atingi-los. No entanto, graças aos erros de pontaria, os tiros atingiram apenas a viatura policial, danificando seu motor. Flávio descartou a pistola em uma lixeira e se refugiou em uma residência, tendo sido preso pelos PMs, que o localizaram. Joana faleceu durante atendimento hospitalar.
Nessa situação hipotética,

a) Mauro deve responder pelo crime de homicídio contra André, sendo-lhe assegurada a redução de pena correspondente ao fato de ter sido impelido por motivo de relevante valor social: o de livrar a sociedade de um traficante de drogas, pessoa causadora de distúrbios sociais.

b) Mauro e Flávio devem responder pelo homicídio de Joana como se o crime tivesse sido praticado contra ela.

c) Mauro deve responder por homicídio contra André, a vítima pretendida, e Flávio, pelo homicídio praticado contra Joana, a vítima atingida.

d) Flávio deve responder por crime de dano, em razão de ter danificado a viatura policial.

e) Mauro deve responder pelo crime de homicídio por motivo torpe e pelo uso de recurso que dificultou a defesa da vítima.
O gabarito da questão aponta para o mesmo resultado do Tribunal do Júri de ontem, letra "e".

Resumo: O homicídio de traficante motivado pela disputa por ponto de venda de drogas não é homicídio privilegiado pelo relevante valor social, antes é um homicídio qualificado pelo motivo torpe (Art. 121, § 2°, I, do CP).

Abraço a todos,





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