Quando
trabalhei na Comarca de Campos Novos-SC, no tempo em que o interrogatório era o
primeiro ato processual após o recebimento da denúncia (se o seu CPP ainda prevê
desta forma favor comprar um novo), efetuei denúncia contra Tício pelos
seguintes fatos:
a) Tício dirigiu-se ao comércio local e adquiriu
um belo aparelho de telefone celular para a namorada, pagando com um cheque de
terceiro preenchido e assinado no valor de R$ 300,00 (trezentos reais).
b) Tício
sabia que o cheque não seria descontado e que não devia valer grande coisa, já
que pagou pelo mesmo o valor de R$ 10,00 (dez reais), em suma, tinha plena ciência
de que se tratava de produto de crime anterior e o utilizou apenas como meio fraudulento para adquirir o celular.
c) Quando
do interrogatório Tício sentou-se, de terno e gravata (era um terno xadrez mas era um terno) perante o magistrado e começou a narrar os fatos da seguinte forma: “Vossa
Majestade, eu sabia que o cheque era roubado ...” e continuou confessando o
fato, alegou que a menina era bonita e que merecia o celular, etc. E após muitos
Vossas Majestades quem sabe buscando uma
diminuição da pena, Tício verificou que não conseguiu mudar o sério semblante
do magistrado (que apenas estava sério para evitar a quase inevitável risada) e
estão Tício saiu-se com esta: “... prometo à Vossa Majestância que não
farei mais isto”. Daí, nem o magistrado agüentou,
pediu licença e foi rir no gabinete.
Quanto à
Tício, no final do processo, foi devidamente condenado pelo estelionato cometido.
Para não
ficar só no fato curioso e com a nova proposição para tratamento dos senhores
magistrados, lanço a seguinte indagação: As partes ativa e passiva da ação
penal participam do interrogatório?
Antes de
2003, a resposta seria negativa, sendo que o interrogatório era ato exclusivo
do juiz. Contudo, em consonância com a Constituição Federal, no ano de 2003, a
Lei 10792 trouxe algumas alterações ao CPP, dentre estas:
a) a
obrigatoriedade da presença do defensor, constituído ou nomeado (Art. 185);
b) as
partes poderão fazer perguntas sobre fatos não esclarecidos (Art. 188);
c) o
acusado, em qualquer modalidade de interrogatório (o que inclui a videoconferência),
terá garantida entrevista prévia e reservada com seu defensor (§ 5°, do Art. 185).
No caso da falta destes elementos, vale-nos a lição do STJ:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
AUSÊNCIA DE DEFENSOR NO INTERROGATÓRIO. NULIDADE ABSOLUTA. ATO PRATICADO NA
VIGÊNCIA DA LEI 10.792/03. PRECEDENTE. PARECER DO MPF PELO PROVIMENTO DO
RECURSO. RECURSO PROVIDO PARA ANULAR O INTERROGATÓRIO DO RÉU, REALIZADO SEM A
PRESENÇA DO DEFENSOR, E TODOS OS ATOS DECISÓRIOS QUE LHE SÃO POSTERIORES, MANTIDA,
TODAVIA, A SITUAÇÃO PROCESSUAL DO RECORRENTE.
1. Nos termos de consolidado entendimento nesta Corte Superior,
após o advento da Lei 10.792/2003, ainda que o próprio réu tenha dispensado a
entrevista prévia, a presença do defensor no interrogatório tornou-se formalidade
essencial, corolária do princípio da ampla defesa e do devido processo legal.
2. Recurso provido, em consonância com o parecer
ministerial, para anular o interrogatório do réu, realizado sem a presença de
seu defensor, e todos os atos decisórios que lhe são posteriores, mantida,
todavia, a situação processual do
recorrente. (RHC 26.141).