sexta-feira, 31 de maio de 2013

Princípio do Juiz Natural

Do Estado de São Paulo extraímos o seguinte caso:

1) “A”, funcionário da empresa “X”, dentre outras funções, efetuava a venda de produtos a público externo e eventualmente realizava cobrança de valores.
 
2) Também eventualmente, “A” não repassava os valores por si cobrados, ficando com o dinheiro para si em prejuízo da empresa “X”, o que perdurou por três meses.

3) Descobertos e investigados os fatos em inquérito policial, “A” foi denunciado e posteriormente condenado pelo crime de Apropriação Indébita com causa de aumento em virtude do emprego ocupado, em continuidade delitiva.  (Art. 168, inciso III, c/c art. 71, do CP).

4) “A”, por seu defensor, interpôs recurso de apelação que foi conhecido e improvido pelo TJSP. Da sessão de julgamento participou um único juiz de segundo grau enquanto os demais julgadores eram juízes de primeiro grau convocados para substituir os titulares de segundo grau que por razão de afastamentos não estavam, temporariamente, compondo a câmara criminal.

5) “A” ingressou com Habeas Corpus perante o STJ e em face da não concessão da ordem, apresentou recurso (da decisão do HC) junto ao STF, sob o argumento de que houve ofensa ao princípio do Juiz Natural eis que a “expressiva maioria” dos julgadores era composta de juízes de primeiro grau convocados e não de juízes de segundo grau a quem caberia, de fato e direito, o julgamento.

Razão assiste ao recorrente?

O princípio do Juiz Natural é um dos princípios de jurisdição e é expresso na Constituição Federal em dois incisos do art. 5º, quer em seu inciso LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente), quer no inciso XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção).

A pergunta a ser feita é: a convocação de juízes de primeiro grau ofendeu ao princípio do juiz natural? No caso, agravada pelo fato de que a maioria dos julgadores era convocada, ou seja, a sessão foi composta com maioria de juízes de primeiro grau que excepcionalmente estavam ocupando as funções de juízes de segundo grau.

Podemos ampliar a questão e com isto incluir questões comuns em concurso público eis que a mesma pergunta poderia ser feita para a ofensa (ou não) ao princípio do Juiz Natural em  qualquer julgamento proferido por juiz que não aquele titular e ocupante regular da função, muito comum em casos de férias, licenças etc., nos quais o juiz que profere o julgamento está apenas substituindo o titular.

De regra a resposta será negativa, não há ofensa ao princípio do Juiz Natural em caso de substituição de juízes para cobrir vacâncias esporádicas.

Perguntará então o leitor: "de regra a resposta será negativa", o que quer dizer que por vezes será positiva, quando?

Nos parece que uma forma válida de identificação quanto à ofensa ao princípio do Juiz natural pode dar-se com a verificação da obediência, ou não, das regras anteriormente expressas no sistema normativo, ou seja, se a substituição de julgadores deu-se de acordo com a regras previamente estabelecidas. Caso positivo não haverá ofensa, caso negativo, haverá ofensa.
 
No caso prático que deu início à nossa conversa, como em São Paulo as substituições dos juízes de segundo grau deram-se conforme lei estadual, o STF assim se manifestou:

Ementa: PENAL E CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA (ART. 168, § 1º, III, C/C ART. 71, DO CP). APELAÇÃO JULGADA POR COLEGIADO FORMADO MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES CONVOCADOS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. 1. O julgamento por Colegiado integrado, em sua maioria, por magistrados de primeiro grau convocados não viola o princípio do juiz natural nem o duplo grau de jurisdição. [...]   

Abraço a todos,

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Inquérito policial instaurado mediante notícia anônima


Siga os fatos:

 
1) Delegado de Polícia recebe denúncia anônima, dando conta do crime de falsidade documental e do local em que poderiam ser encontrados o autor dos fatos e o equipamento para prática do falso.

2) Com base na denúncia anônima formulada instaurou inquérito policial mediante portaria (notitia criminis de cognição direta ou imediata).   

3) Apurou os fatos conforme narrado na denúncia anônima identificando autor e materialidade do crime de falsificação de documento público, no caso, certificados de conclusão do ensino médio.

4) Remetido o inquérito ao Fórum, foi oferecida denúncia pelo membro do Ministério Público (ação pública incondicionada) no prazo legal de 15 dias (réu solto). A denúncia foi recebida depois de defesa preliminar.

5) No Tribunal “Y” o réu impetrou Habeas Corpus objetivando o trancamento da ação penal sob o argumento de que a ação penal contra si promovida tem por base inquérito policial instaurado por notícia anônima, o que seria inconstitucional ante a vedação do anonimato com previsão no art. 5º, IV, da Constituição Federal.

Juridicamente:

De fato a Constituição Federal, no disposto supra indicado, reza que: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Neste contexto, no Habeas Corpus n. 84827, impetrado perante o STF, o Ministro Marcos Aurélio expôs que: “Acrescento que se, de um lado, há de se ouvir o cidadão, de se preservar a manifestação do pensamento, de outro, a própria Constituição Federal veda o anonimato – inciso IC do artigo 5°. Sob o ângulo da inviolabilidade da vida privada, é ainda a Carta da República que assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da inobservância da vedação. É justamente esse contexto que bem diz com a vida de um Estado Democrático de Direito, com a respeitabilidade própria ao convívio das pessoas em cultura satisfatória que direciona à impossibilidade de se agasalhar o denuncismo irresponsável, maculando-se, sem seriedade maior, a vida das pessoas.” Pelo que o STF determinou, no caso, o trancamento de investigação criminal com base exclusiva em denúncia anônima.

O assunto não encontra entendimento pacífico, eis que, mesmo que vedado o anonimato, é certo que a investigação criminal pode se iniciar de ofício, ou seja, sem qualquer provocação, conforme art. 5°, inciso I, do CPP. Ademais, a aceitação de que o anonimato da notícia de um delito impede a investigação, seria lançar por terra as ferramentas criadas pelo próprio Estado no sentido de fazer cessar violências que vitimam idosos, crianças e indefesos em geral que encontram defesa em informações anônimas oriundos, de regra, dos parentes e vizinhos. O próprio STF, em decisão posterior, admitiu a realização de investigações preliminares em caso de notícia crime anônima (HC 95244).

Nos parece que a expressão chave da decisão que trancou investigação iniciada em denúncia anônima, acima referida, seria: “agasalhar o denuncismo irresponsável”. Ou seja, a notícia anônima em si não é apta a autorizar ou desautorizar a investigação criminal, sendo que esta deva ser analisada em conjunto com o contexto em que foi oferecida e dos elementos por esta trazidos.  

Logo, creio que a resposta quanto à possibilidade de início da investigação criminal mediante notícia anônima será positiva ou negativa de acordo com as circunstâncias e elementos da notícia anônima em si.

No caso concreto que deu início ao presente escrito (no qual adequamos apenas o delito narrado) o Tribunal “Y” não concedeu a ordem de Habeas Corpus sob o fundamento de que a investigação, embora iniciada por notícia anônima se deu com cautela e discrição até que novos elementos de autoria e materialidade fossem colhidos.

Abraço a todos,

 


terça-feira, 28 de maio de 2013

Júri - possibilidade de reformatio in pejus


Acompanhe os fatos:

 
1) Em comarca do Estado de Santa Catarina "A" foi denunciado e pronunciado pelo crime de homicídio qualificado pelo motivo torpe (Artigo 121, § 2°, inciso I, do CP).

2) Em sessão plenária do tribunal do júri “A” foi condenado pelo homicídio, contudo os senhores jurados não reconheceram a qualificadora do motivo torpe, resultando em desfavor de "A" em uma pena de 06 anos de reclusão.

3) O Ministério Público não apresentou recurso, diversamente da defesa que apelou sob o argumento de que a decisão dos jurados teria sido contrária à prova dos autos (Artigo 593, inciso III, alínea “d”, do CPP). O recurso foi provido e determinado novo julgamento.

4) Realizada nova sessão plenária, os jurados foram novamente quesitados sobre a qualificadora, a qual, desta vez, foi reconhecida, resultando em uma pena de 12 anos de reclusão.

5) A defesa apresentou novo recurso de apelação sob o argumento de decisão contrária à prova dos autos e ante a impossibilidade da inclusão da qualificadora quando da quesitação formulada na segunda sessão de júri, o que caracterizou a reformatio in pejus, em evidente prejuízo ao réu.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina apresentou a seguinte resposta:

Apelação Criminal. Tribunal do Júri. Alegação de contrariedade entre a decisão e a prova dos autos – fundamento que já ensejou novo julgamento – impossibilidade de conhecimento. Pleito de desclassificação para homicídio simples com fulcro na alínea “c” do art. 593 do CPP (erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena). Pedido que se enquadra no inciso III, alínea “d” do art. 593, do CPP. Alegação de reformatio in pejus em razão de existência de quesitação sobre as qualificadoras quando no novo julgamento – inocorrência – regra do art. 617, do CPP que não se aplica ao tribunal do júri [...]. (AC 2003.021490-9).

Compartilhando do entendimento do Tribunal Catarinense, por diversas vezes o STJ, sob o argumento da soberania das decisões do Tribunal do Júri, acolheu a possibilidade da reformatio in pejus, senão vejamos:

Nos termos da jurisprudência firmada por este Superior Tribunal de Justiça, o princípio da non reformatio in pejus não pode ser aplicado para limitar a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, assim, anulado o primeiro julgamento por recurso exclusivo da defesa, é possível, em tese, caso seja alcançado um veredicto diferente do primeiro, ser agravada a pena imposta ao condenado. Precedentes.

Logo, ante os julgados, acima transcritos, cabível a reformatio in pejus ante a soberania das decisões do Tribunal do Júri, pelo que mantida a decisão condenatória de “A” pelo crime de homicídio qualificado.

Apenas concluindo, não caberá reformatio in pejus quanto à aplicação da pena, ou seja, reconhecido pelos jurados os mesmos crimes e circunstâncias, não caberá ao Juiz Presidente aplicar pena maior que aquela já aplicada em sessão do Júri anterior.

Neste sentido:

STF: E M E N T A: HABEAS CORPUS - TRIBUNAL DO JÚRI - REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA - RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA - EXASPERAÇÃO DA PENA DETERMINADA PELO JUIZ-PRESIDENTE - INADMISSIBILIDADE - PEDIDO DEFERIDO. - O Juiz-Presidente do Tribunal do Júri, quando do segundo julgamento, realizado em função do provimento dado a recurso exclusivo do réu, não pode aplicar pena mais grave do que aquela que resultou da anterior decisão, desde que estejam presentes - reconhecidos pelo novo Júri - os mesmos fatos e as mesmas circunstâncias admitidos no julgamento anterior. Em tal situação, aplica-se, ao Juiz-Presidente, a vedação imposta pelo art. 617 do CPP.


Abraço a todos,

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Competência - cheque sem fundo

Siga os fatos:

1) "A", domiciliado e residente na cidade e comarca de Curitiba/PR se dirigiu até a cidade e comarca de São Bento do Sul/SC onde adquiriu diversos móveis com os quais presenteou um parente morador da cidade e comarca de São Francisco do Sul/SC.

2) "A" pagou para "B" (dono da loja de móveis) com um cheque de R$ 12.000,00 (doze mil reais).

3) O cheque não foi pré-datado sendo que "B" efetuou o depósito da referida cártula, no dia seguinte à compra, em sua conta corrente do Banco do Brasil localizado na cidade de São Bento do Sul.

4) O cheque retornou para "B" eis que não contava com provisão de fundos.

5) Após inquérito policial ofereci a denúncia contra "A" na cidade e comarca de Joinville/SC.

Por que?

Não é o fato de que Joinville está mais ou menos no meio do caminho entre os municípios de Curitiba e São Bento do Sul (tal regra de competência - equidistância - não será encontrada no CPP).

Dentre os fatos está faltando um dado relevante, qual seja, qual era a agência bancária do emissor do cheque, no caso, "A", eis que esta agência é a responsável pela recusa do pagamento ante a falta de fundos.

Informemos então, a agência bancária estava situada na cidade de Joinville/SC. A partir deste dado passamos a aplicar a teoria do resultado, adotada e expressa no CPP em seu artigo 70: "A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração [...]".

Contudo, muitos ainda questionaram aos tribunais: mas o resultado, no caso da emissão do cheque sem fundo, não se dá no local em que se realizou o negócio? A resposta é negativa e resultou em duas súmulas, uma do STF e outra do STJ, vejamos:

Súmula 521 do STF: "O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado."

Súmula 244 do STJ: "Compete ao foto local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos."

Logo, a denúncia oferecida respeitou as regras da competência em razão do local (ratione loci).

Abraço a todos,

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Qualificação do acusado - insuficiência


Acompanhe os seguintes fatos:

1) Na comarca “A”, promotor de justiça apresentou denúncia por crime de estelionato e fez constar a qualificação do acusado da seguinte forma: “Severino da Silva, vulgo Ceará, com último endereço conhecido a Rua x, cidade y”.

2) O réu não foi encontrado, tampouco nomeou advogado para defesa, pelo que foi suspenso o processo por força do art. 366, do CPP, bem como foi decretada a prisão preventiva e expedido mandado de prisão.

3) Alguns anos após, ao buscar os órgãos policiais para segunda via de carteira de identidade, foi detido na comarca “B” Severino da Silva, vulgo Ceará.

4) O detido fez prova documental de que, quando dos fatos, estava trabalhando na comarca “B”, bem como alegou que nunca estivera e sequer conhecia a comarca “A”. Foi imediatamente posto em liberdade, eis que demonstrou não ser a mesma pessoa que havia sido anteriormente denunciada.

Juridicamente:

Do artigo 41, do CPP, colhe-se que a denúncia deverá conter, além do fato criminoso e suas circunstâncias, a classificação do crime, rol de testemunhas (quando necessário) e a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo.

Segundo CAPEZ (in Curso de Processo Penal): “qualificar é apontar o conjunto de qualidades pelas quais se possa identificar o denunciado, distinguindo-o das demais pessoas”.

Da leitura do art. 41, do CPP leva à conclusão que desnecessária a qualificação completa do acusado (filiação, CPF, número da carteira de identidade, etc), contudo é obrigatória a identificação do acusado pelos elementos de identidade propostos, os quais devem ser suficientes para individualizar quem está a sofrer a ação penal, sob pena de falecer uma das condições da ação penal, qual seja, o da legitimidade da parte, eis que impossível a verificação de sua existência em casos de qualificação/identificação deficiente.

Por sua vez, a falta de qualificação não impede a ação penal, desde que certa a identidade física. Do disposto do artigo 259, do CPP extraímos:

Art. 259.  A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes.

No caso proposto, a qualificação deu-se de modo deficiente, eis que não apresentou elementos que possibilitassem a distinção entre denunciado e seus homônimos (xarás), agravado em face de tratar-se de nome e apelido bastante comuns. 

Fica então as lições:

a) a falta de qualificação não impede o exercício da ação penal.

b) a qualificação/identificação deve dar-se de forma a individualizar (tornar certa a identidade física) o acusado.

Abraço a todos e bom final de semana.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Carta Precatória não ofende o princípio do Juiz Natural

Uma das atividades cotidianas das promotorias criminais, em comarcas em que não há vara especializada em cumprimento de carta precatória, é a ciência (e acompanhamento) de audiência para fins de oitiva de testemunhas, sejam de acusação ou defesa, deprecadas de um juízo a outro. 

E não há qualquer dificuldade quanto ao exercício de referida atividade bastando a leitura do que  trata a ação penal, o lançamento da assinatura abaixo do termo “ciente” juntamente com a identificação de quem assina e por fim a anotação da data designada para cumprimento do ato e, por óbvio, na data pré-designada acompanhar a audiência.

A questão que nos importa, ao menos para este pequeno escrito é: o cumprimento de ato de instrução do processo, por juiz que não aquele que irá proferir julgamento, fere o princípio do JUIZ NATURAL? E dentro da matéria “competência” como poderá ser classificado o cumprimento de uma carta precatória?

Juiz Natural é princípio previsto na Constituição Federal em seu artigo 5°, incisos LIII e XXXVII, de onde se extrai que ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente e de que não haverá tribunal ou juízo de exceção.

Segundo o STF: [...] Entende-se que juiz natural é o órgão judicial regular e legitimamente investido de poderes da jurisdição, dotado de todas as garantias inerentes ao exercício da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos – CF, art. 95, I, II, III) [...] (HC 115.182 – texto do corpo do acórdão - julgado em 27/11/2012).

E a carta precatória? Cujo ato de instrução é praticado por juiz diverso do competente para julgamento?

Contudo a  expedição de precatórias conta com previsão legal (artigos 222, 353,  230, 174, IV, do CPP), ou seja, uma regra processual previamente estabelecida atribui competência a juiz diverso do julgador para cumprimento de determinados atos. Estes textos legais previamente constituídos que  atribuem competência para atos específicos, fazem da carta precatória instrumento do processo penal perfeitamente acorde com o princípio do Juiz Natural. Segundo CAPEZ (in Curso de Processo Penal) caso como o ora posto em questão classifica-se como delegação de competência que poderá ser dividida em a) delegação externa (quando os atos são praticados em varas/comarcas diversas) como o caso da carta precatória e, b) delegação interna quando esta ocorre no mesmo juízo, como nos casos de substituição de juízes (férias, colaborações, mutirões, etc).

Ou seja, não há ofensa ao princípio do Juiz Natural a remessa e cumprimento de carta precatória para fins de oitiva de testemunhas ou quaisquer outras atos com previsão legal, sendo que, também admitem o STJ (HC 136847) e STF (HC 103468) o interrogatório do réu via carta precatória (sem previsão legal). Isto se dá ante a possibilidade de delegação de competência para atos específicos, sendo que a exigência constitucional é de que a autoridade que estará cumprindo o ato tenha as atribuições legais previamente previstas para tanto.

Como resposta às duas indagações: 1) Não há ofensa ao princípio do Juiz Natural a remessa e cumprimento de carta precatória, mesmo que para interrogatório do réu. 2) Doutrinariamente classifica-se tal ato como Delegação Externa de Competência.

 
Abraço a todos,

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Ação penal privada subsidiária - caso de arquivamento de parte do inquérito

Há alguns anos atrás me deparei com a seguinte situação processual e fática:

1) “A” apresentou pedido de instauração de inquérito policial (notitia criminis de cognição direta) ao delegado de polícia, informando três fatos (x, y e z) que considerava estelionato, praticados contra si.

2) Encerrado o inquérito policial no prazo legal (30 dias por se tratar de réu solto) os autos foram encaminhados ao juiz de direito e, na sequência, enviados ao promotor de justiça para análise.

3) Dos fatos apurados concluiu-se que apenas um destes constituía estelionato, sendo os demais atípicos, pelo que foi apresentada denúncia contra “B” em face do fato “x”, e solicitado o arquivamento com relação aos fatos “y” e “z”.

4) A denúncia foi recebida (fato "x") e o arquivamento foi determinado conforme requerido (fatos "y" e "z").

5) “A” apresentou queixa-crime subsidiária da ação pública com relação aos fatos “y” e “z”, o que fundamentou nos artigos 5°, inciso LIX, da CF e 29, do CPP.
 
Vamos à análise jurídica:

Os dispositivos legais invocados por “A” apresentam exceção à regra do artigo 129, inciso I, da CF, que atribui privativamente ao Ministério Público a propositura da ação penal pública.
 
Da leitura do inciso LIX, do artigo 5°, da CF e do artigo 29, do CPP, conclui-se que ante a inércia do MP é possível a ação privada. Ou seja, queixa-crime no lugar da denúncia.

A indagação é: O arquivamento é sinônimo de inércia? A resposta é negativa.

Dá-se a possibilidade da ação penal privada subsidiária da pública tão somente no caso de desídia, ou seja, quando não há manifestação do MP a respeito do inquérito ou outros documentos que noticiem infração penal, dentro do prazo a si concedido, o que não é o caso do pedido de arquivamento, no qual, em análise e parecer fundamentado, o órgão acusador concluí que não há fato típico ou ainda que estão ausentes quaisquer elementos necessários à propositura da ação penal.

Logo, o arquivamento, ou mesmo o pedido de diligências à autoridade policial, não autorizam o ofendido a propor a ação penal privada, eis que nestes casos não há que se falar em inércia.

Do Supremo Tribunal Federal:

[...] O ajuizamento da ação penal privada subsidiária da pública pressupõe a completa inércia do Ministério Público, que se abstém, no prazo legal, (a) de oferecer denúncia, ou (b) de requerer o arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação, ou, ainda, (c) de requisitar novas (e indispensáveis) diligências investigatórias à autoridade policial. Precedentes. - O Supremo Tribunal Federal tem enfatizado que, arquivado o inquérito policial, por decisão judicial, a pedido do Ministério Público, não cabe a ação penal subsidiária. Precedentes. Doutrina. (HC 74276).

[...] INÉRCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO X MANIFESTAÇÃO NO SENTIDO DO ARQUIVAMENTO. IMPOSSIVEL E CONFUNDIR ATO COMISSIVO - A PROMOÇÃO NO SENTIDO DO ARQUIVAMENTO - COM O OMISSIVO, OU SEJA, A AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DA DENUNCIA NO PRAZO LEGAL. APENAS NESTE ÚLTIMO CASO A ORDEM JURÍDICA INDICA A LEGITIMAÇÃO DO PRÓPRIO OFENDIDO [...] (HC 70029).

Concluindo – O parecer do Ministério Público, acatado pelo Magistrado, foi pelo não recebimento da queixa-crime proposta. Da mesma forma entendeu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina após recurso interposto por “A”.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Denúncia é peça privativa do Ministério Público


Na Comarca de Joinville/SC, ainda como promotor de justiça substituto, deparei-me com os seguintes fatos:

a) “A”, mediante advogado, ingressou no juízo criminal com uma DENÚNCIA contra “B”.
b) “A” é irmão de “B” e a denúncia apresentada narrava o furto de um veículo.
c) Na petição, “A” argumentava ter ingressado com a denúncia ante a demora da autoridade policial na conclusão do inquérito.
d) Ao final da denúncia apresentada, “A” requereu a “pronúncia” do querelado por infração ao artigo 155, do Código Penal.
e) Vieram-me os autos com vista.

Juridicamente o que temos:

1) Algumas impropriedades no requerimento, eis que a pronúncia dar-se-á tão somente em processos que visam o julgamento pelo Tribunal do Júri, o que definitivamente não era o caso.

2) O crime deveria ser apurado mediante ação pública condicionada, por força do artigo 182, inciso II, do CP, eis que, embora crime de furto, este foi pratica contra irmão.

3) Outra circunstância que nos chamou a atenção foi o título apresentado, qual seja, DENÚNCIA, vejamos: a Constituição, em seu artigo 129, inciso I, atribuiu ao Ministério Público, privativamente, a ação penal publica (aplicável aos fatos), sendo a denúncia o instrumento a ser utilizado para a propositura da ação (art. 24, do CPP), logo, incabível ao particular a propositura de denúncia.

Doutrinariamente enquadraríamos a apresentação de denúncia por particular como um desrespeito ao princípio da oficialidade, inerente à ação penal pública. 

Ao discorrer sobre referido princípio MOUGENOT (in Código de Processo Penal Anotado) informa que: “A prerrogativa do órgão do Parquet vem consubstanciada nos ditames da Constituição Federal, que estabelece como uma das funções institucionais do Ministério Público promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei (art. 129, I), ação essa que será exercida por meio de denúncia”.

4) E a ação penal privada subsidiária? 

Com previsão no artigo 5°, LIX, da CF e no artigo 29, do CPP, em caso de inércia do Ministério Público (assunto para outra blogada) poderá ser proposta a ação privada subsidiária da pública. Contudo, dos fatos apresentados observamos que em nenhum momento houve inércia do MP, sendo que não há que se confundir a demora na conclusão do inquérito policial com o excesso de prazo no oferecimento da denúncia.

Nosso parecer foi pelo recebimento da peça apresentada como se representação fosse, bem como pela remessa de ofício ao delegado de polícia para fins de remessa dos autos de inquérito policial ao fórum para fins de análise.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Espécies de inquéritos


Há uma diversidade de inquéritos no ordenamento pátrio. Vejamos:

a) Inquérito Policial.
b) Inquérito Civil.
c) CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito.
d) Inquérito instaurado para apuração de crime cometido no interior do Congresso.
e) Inquérito para expulsão de estrangeiro (este obedece o contraditório).
f) Inquérito Administrativo.
g) Inquérito Policial Militar.
h) Inquérito instaurado para investigação de Juízes e Promotores.
i) Inquérito instaurado para investigação de infração penal cometida na sede ou dependência do STF por pessoa sujeita à sua jurisdição.

Destes, servem à apuração de infrações penais:

a) Inquérito Policial – Art. 4° ao 23, do CPP.
b) CPI – Art. 58, § 3°, da CF.
c) IPM – Art. 144, § 4°, da CF e Art. 9° ao 28, do CPPM.
d) Inquérito instaurado para investigação de infração penal cometida na sede ou dependência do STF por pessoa sujeita à sua jurisdição. (Art. 43, da RISTF).
e) Inquérito instaurado para investigação de Juízes e Promotores (Parágrafo único, do artigo 33, da Lei Complementar 35/79 – LOMAN e parágrafo único, do artigo 41, da Lei 8625/93 – LONMP).
f) Inquérito instaurado para apuração de crime cometido no interior do Congresso. (Sumula 397, do STF e Regimento Interno de cada casa legislativa).

Por sua vez, a investigação promovida pelo Ministério Público utiliza-se da instrumentalização proporcionada pela Resolução n° 13/06 do Conselho Nacional do Ministério Público, que nominou o procedimento de Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Os Ministérios Públicos Estaduais, de regra, editaram atos regulamentadores da investigação.

Logo, se há exclusividade quanto à instauração de Inquérito Policial (apenas a autoridade policial, civil ou federal, poderá fazê-lo), não há exclusividade de investigação criminal, atribuída também a outros órgãos (CPI, IPM, PIC, etc).

Contudo, deve o leitor estar atento para o Projeto de Emenda Constitucional n° 37, que assim dispõe:

Art. 1º O art. 144 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 10:

“Art. 144 ..............................................
....................................................
§ 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1° e 4° deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.”

Caso aprovada a Emenda Constitucional, além de fazer cessar as atribuições dos órgãos acima nominados, entendemos que criar-se-á direito subjetivo ao questionamento judicial via habeas corpus e revisão criminal, de todas as penas e processos oriundos de investigação em inquéritos outros que não inquéritos policiais o que poderá tornar inócuos os trabalhos já realizados por outros órgãos que não os policiais.

Para melhor conhecimento da PEC 37, acessar o site:

http://portal.mp.sc.gov.br/portal/webforms/Interna.aspx?campo=110579&secao_id=7

 
Abraço a todos.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Tentativa em crime de aquisição de drogas

Recebi inquérito policial, iniciado por auto de prisão em flagrante (notitia criminis de cognição coercitiva), dando conta dos seguintes fatos:

1) Após denúncias de que estaria ocorrendo tráfico de drogas em determinado local, a polícia militar dirigiu-se ao endereço informado e deparou-se com “A” na posse de 20 pedras de crack, bem como, em suas mãos, uma nota de R$ 10,00 (dez reais);

2) Ao lado de “A” (traficante)  estava “B” (usuário), o qual havia negociado duas pedras de crack, havia pago os R$ 10,00 (dez) reais, mas ainda não havia recebido o entorpecente, momento em que foram surpreendidos pela polícia;

Nossa pergunta é:

“B” praticou o crime descrito no art. 28, da Lei 11343/06? Caso positivo, o delito é tentado ou consumado?

Vamos por partes:

O artigo 28, da Lei 11343/06, traz em seu texto cinco condutas, quais sejam: adquirir, guardar, ter em depósito, transportar e trazer consigo. Condutas complementadas pela parte final do artigo: “drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

De fácil observação que os verbos: “guardar”, “ter em depósito”, “transportar” e “trazer consigo” são de mera conduta e não admitem tentativa.

Mas como “B” não guardou, teve em depósito transportou ou mesmo trouxe consigo, qualquer entorpecente, segue a análise quanto à conduta “adquirir”.

Segundo o dicionário Michaelis (on line) o verbo adquirir significa: alcançar, conseguir, obter, ganhar, comprar, granjear, assumir, tomar, apanhar, contrair.

Segundo CAPEZ (in Curso de Direito Penal), significa: “obter mediante troca, compra ou a título gratuito”. Seguindo o raciocínio, adquirir significa a obtenção e não o mero pedido, pelo que, a priori, não há a consumação de qualquer delito, eis que o “adquirir” não se tornou perfeito. 

Nos resta ainda um último passo: poderá ser reconhecida a tentativa? Como a “aquisição” não ocorre em ação única, sendo dependente do pedido/oferta e da entrega/recebimento é admissível a figura da tentativa. Neste sentido:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - CRIME DE MERA CONDUTA - TENTATIVA - CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL - HIPÓTESE POSSÍVEL, NOTADAMENTE NA MODALIDADE AQUISIÇÃO [...] Muito embora difícil, não é impossível, em determinadas e específicas circunstâncias, a tentativa do crime de tráfico, notadamente na modalidade adquirir, em que a cisão da ação afigura-se viável [...]” ACR 3089945 PR 0308994-5 – Rel. Mendes Silva – Julgado em 27/04/2006 – 3ª Câmara TJPR)

“Tentativa – É admissível quando, iniciado o ato executório da aquisição, este vem a ser interrompido por circunstâncias alheias à vontade do agente” CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial, volume 4. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 757.

Assim, “A” responderá por infração ao artigo 33, da Lei 11.343/06 (modalidade de trazer consigo -  crime consumado) enquanto “B” responderá pelo artigo 28, da mesma lei (modalidade adquirir), c/c o artigo 14, II, do CP (tentativa).
 
Abraço a todos e bom fim de semana.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Flagrante ficto ou presumido.

Recebi Auto de Prisão em Flagrante que apresentou os seguintes fatos:
 
1) o elemento “A” adentrou no comércio da vítima “B” sendo que, mediante a ameaça de que voltaria caso a polícia fosse avisada, subtraiu algumas mercadorias e dinheiro do caixa;

2) a vítima sentiu-se intimidada pela simples presença do elemento “A”, bem como pela  ameaça de que voltaria caso fosse avisada a polícia, pelo que não reagiu à subtração, contudo, tão logo o elemento deixou o local, ligou para o esposo (“C”) que trabalha como frentista em posto de gasolina próximo;

3) “A”, em torno de 10 minutos após, adentrou no referido posto de gasolina para abastecer uma motocicleta, onde foi reconhecido por “C”, quer pelas características físicas repassadas pela esposa, quer pela sacola com as mercadorias subtraídas que trazia consigo;

4) “C” efetuou a prisão de “A”, e ato contínuo acionou a policiais militares que conduziram “A” para a delegacia de polícia mais próxima.

Juridicamente o que temos:

Embora ausente a arma de fogo ou mesmo a menção de sua posse, cremos que a ameaça foi grave o suficiente para o caracterização de um crime de roubo ante o temor provocado na vítima. Também adequada a prisão por pessoa estranha aos quadros policiais, segundo previsão do art. 301, do CPP.

Por sua vez a previsão legal para a caracterização da situação de flagrante encontra previsão no art. 302, inc. IV, do CPP. Destaca-se, contudo, a classificação doutrinária, e aceita pela jurisprudência, comumente utilizada para as várias espécies de flagrante e adequada aos fatos ora narrados.

No caso, a doutrina, em sua maioria, classifica a situação flagrancial como: FLAGRANTE PRESUMIDO ou FICTO.

Condições para sua caracterização:

a) ser o autor dos fatos encontrado logo depois da infração penal: não há tempo informado pela lei, sendo que o senso popular comum de 24 horas para “escapar do flagrante” não passa de lenda urbana. Na doutrina encontramos o ensinamento de que o “logo depois” autoriza a interpretação como seno no máximo “algumas horas” (Nucci), ou de que não há medida de tempo a ser reconhecida mas compreende um lapso temporal maior que o “logo após” previsto no inciso III, do art. 302 do CPP (Capez e Noronha) ou ainda de que cabe ao arbítrio judicial o reconhecimento do tempo, aliado às demais condições em que se deu a prisão (Mougenot).

b) com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir a autoria do delito.

O STF, em decisão de 1988, entendeu que duas semanas não se coadunam com a expressão logo depois:

HABEAS CORPUS. FLAGRANCIA INOCORRENTE. EXCESSO DE PRAZO. A EXPRESSAO 'LOGO DEPOIS', CONTIDA NO ART. 302-IV DO CPP, RECLAMA BREVIDADE, NÃO SE AJUSTANDO A HIPÓTESE DE SE HAVEREM PASSADO DUAS SEMANAS ENTRE O CRIME E A PRISÃO. EXCESSO DE PRAZO INJUSTIFICADO. ORDEM CONCEDIDA. (RHC 66061 -  Julgamento:  12/04/1988 - Órgão Julgador:  Segunda Turma).

Também do Supremo o entendimento de que “dias após” não permite o reconhecimento de situação de flagrante (RHC 64.285-3), reconhecendo, contudo, quando de prisão ocorrida três horas após (RHC 58.183).

Do STJ: [...] A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou já entendimento no sentido de 
que a expressão "logo depois", constante no inciso IV do artigo 302 do Código de Processo Penal, deve ser lida como tempo razoável, não havendo cogitar, pois, em intervalo temporal fixo a configurar o estado de flagrância [...].

No caso concreto, a autoridade policial fez remessa do APF ao fórum, este foi distribuído entre as varas criminais e teve reconhecida a sua legalidade.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Divisão doutrinária das polícias.

As polícias podem ser divididas em: a) judiciária: responsável pela investigação criminal, que incluem as polícias civil e federal; b) administrativa, ou de prevenção, responsável pela vigilância ostensiva e prevenção de delitos, nas quais se incluem as polícias militares, rodoviárias, ferroviárias e guardas municipais.

Esta divisão clássica é apresentada nas doutrinas de processo penal e acolhida pelo STF:

“[...] Não há controvérsia na doutrina ou jurisprudência no sentido de que o poder de investigação é inerente ao exercício das funções da polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos do art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF. [...]” HC 84965 / MG – Minas Gerais – Rel. Min. Gilmar Mendes – Julgamento: 13/12/2011 – Segunda turma.

Contudo, uma leitura da Constituição Federal apresenta a expressão “polícia judiciária” como uma função a ser exercida pelas polícias civil e federal e não como uma categoria policial ou classificação. Tal observação também poderá ser encontrada em decisões do Supremo como no HC 107644 da lavra do Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 06/09/2011: “[...] A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais [...]”.

De qualquer forma, um debate sobre expressões ou termos dificilmente trará qualquer auxílio em concurso público, sendo que o conhecimento da divisão clássica proposta pela doutrina (a polícia divide-se em judiciária e administrativa) será certamente bem vinda nas questões e respostas.

CAPEZ (in Curso de Processo Penal) propõe outras divisões:

Quanto ao lugar de atividade: terrestre, marítima ou aérea.
Quanto à exteriorização: ostensiva e secreta.
Quanto à organização: leiga e de carreira.
 
A tais divisões este subscritor acrescentaria ainda quanto à abrangência: federal, estaduais e municipais.

Abraço a todos.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Perempção

Nesta tarde deparei-me com o seguinte processo (e fatos):

1) Queixa-Crime proposta por “A” e “B” (funcionários públicos), contra “C”, em face de calúnia por este proferida.

2) Após regular trâmite do processo e intimação dos querelantes e querelado, foi realizada audiência de instrução e julgamento na qual “A” faltou sem apresentar justificativa, fazendo-se presentes “B” e “C”.

3) A audiência não se realizou por falta de testemunha arrolada na queixa-crime e foi redesignada;

4) Em petição, apresentada em tempo posterior à audiência, “C” requereu a extinção da punibilidade em face da perempção.

Vejamos juridicamente:

O pedido do querelado encontra apoio nos seguintes dispositivos legais:

CP - Art. 107. Extingue-se a punibilidade:
IV – pela [...] perempção;

CPP – Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal:

III – quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente [...].

Ante a clareza do texto legal, resta a indagação quanto à obrigatoriedade de comparecimento do querelante na audiência de instrução e julgamento.

A resposta é positiva, segundo a leitura do art. 400, do CPP, que faz menção à oitiva do ofendido.

Há decisões do STF neste sentido, embora uma seja uma senhora de meia idade e outra tenha ingressado no estatuto do idoso, é o que temos:

a) Querelante que advoga em causa própria. Não pode valer-se de sua condição de funcionário público para deixar de comparecer à audiência de instrução da causa. Perempção decretada com fundamento no art. 60, n. III, do Código de Processo Penal. Habeas Corpus concedido. HC 46457 - Julgamento:  25/02/1969 – Primeira Turma.

b) O promovente da querela penal, de natureza privada, que não comparece à audiência de instrução e julgamento. Faz a ação incorrer em perempção e perempção é ficar extinta a punibilidade. HC 31925 - Julgamento:  21/05/1952 - Órgão Julgador:  Segunda Turma.

CUIDADO – Segundo o entendimento dos tribunais superiores (STF e STJ), caso a audiência fosse preliminar (art. 520, do CPP), ou de oitiva de testemunhas de defesa (antigo rito ou via carta precatória), a presença do querelante é facultativa e, portanto não gera perempção. (HC 86942 STF; Resp 605871 STJ).

NA CONTRA MÃO: Há decisões de tribunais estaduais em sentido contrário, bem como o doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho apresenta entendimento completamente diverso ao exposto neste pequeno escrito (entende que a falta na audiência preliminar gera perempção enquanto a falta do querelante na audiência de instrução e julgamento não produz efeitos).

Nosso parecer foi pelo reconhecimento da perempção, contudo, a comemoração do querelado não será completa, o processo segue com relação aos fatos imputados pelo co-querelante “B”, que cumpriu com seus deveres e compareceu ao ato.  Neste sentido: “Havendo mais de um querelante, a inércia de um não pode prejudicar os demais.”(NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: RT, 2005. p. 183.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Inquérito Policial - Conceito


Conceito de Inquérito Policial: O IP é um procedimento administrativo, que tem por objetivo a apuração de fatos delituosos e a respectiva autoria, subsidiando a promoção da ação penal por seu titular.
 
“O inquérito policial é mero procedimento administrativo preparatório para a ação penal, e sua instauração nada tem de ilegal, visto que tem por objetivo a apuração de fatos tidos por delituosos e a respectiva autoria” (STJ – DJU 10/08/96 – p. 28.496).

O conceito de inquérito policial pode ser formulado com a utilização de várias palavras e formatações, mas alerto para a importância das seguintes características que deverão ser inseridas neste conceito:

a) procedimento administrativo;
b) apuração de fatos delituosos (crimes ou contravenções);
c) apuração de autoria;
d) fornecer subsídios ao titular da ação penal;

Um conceito assim formulado vale a memorização, eis que possibilita a resposta de várias questões de concurso sobre inquérito policial.

Por exemplo, responder a questão sobre obrigatoriedade do IP (comumente presente em concursos) torna-se mais tranqüila com o conhecimento de que o objetivo deste é a apuração de fatos delituosos e autoria, ou seja, se ambas as dúvidas já estão supridas ao titular da ação penal (fato e autoria) torna-se desnecessário e, portanto, é este dispensável.    

De igual forma o conceito possibilita saber que o fato apurado deve ser típico, seja crime ou contravenção, sob pena de trancamento do inquérito policial, já que seu objeto é investigar fatos delituosos e não qualquer fato. Por sua vez ser este um procedimento administrativo nos alerta para a inexistência de nulidades por incompetência (eis que esta se vincula, em se tratando de processo penal, ao órgão jurisdicional e não ao administrativo).

Enfim, eis um conceito que vale conhecer (e até decorar) e que terá real auxílio em questões de concurso e em algumas dúvidas práticas sobre a natureza do inquérito policial.