Na presente data fui cientificado de recurso
especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina ante os
seguintes fatos:
1) Mévio foi pronunciado por homicídio qualificado
na sua forma tentada.
2) Mévio interpôs recurso em sentido estrito
alegando a falta de provas na fase judicial e requerendo sua impronúncia.
3) O TJSC acolheu as razões de mérito exarando o
seguinte acórdão:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA
AVIDA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE
DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO (ART. 121, § 2.º, INCS. I E IV, C/C ART. 14,
INC. II, DO CP). INSURGÊNCIA DEFENSIVA PRETENDENDO A IMPRONÚNCIA. VIABILIDADE.
MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADA. AUSÊNCIA, TODAVIA, DE ELEMENTOS COLHIDOS SOB
O MANTO DO CONTRADITÓRIO INDICANDO SER O RECORRENTE O AUTOR DO DELITO.
[...] se aos magistrados é vedado
lastrear uma condenação criminal exclusivamente em elementos de prova que não
tenham obedecido aos princípios e às garantias processuais constitucionais (que
podem ser reunidos sob a denominação genérica de devido processo legal,
consubstanciado basicamente no contraditório e na ampla defesa), da mesma forma
não poderá o Tribunal do Júri, basear-se exclusivamente neste tipo de elemento
para condenar. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO.
4) O MPSC, por sua Coordenadoria de Recursos
Criminais interpôs Recurso Especial, visando restituir a pronúncia de Mévio,
eis que cabe ao Tribunal do Júri a competência para análise das provas.
O recurso nos parece adequado, sendo que
escolhemos pequenos trechos para compartilhamento:
“A Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina negou vigência ao disposto nos artigos 74, § 1º, e 155 do Código de
Processo Penal, ao impronunciar o recorrido por entender que “não existe elemento judicializado a amparar a versão narrada na
denúncia no sentido de que João Antônio de Souza é o autor do crime” (fls. 163).
No entanto, determina o Código de Processo
Penal, no seu artigo 74, § 1º, que “Compete ao Tribunal do Júri o julgamento
dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124,
125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados”.
Com
efeito, a competência do Tribunal do Júri, além de prevista em lei federal,
recebeu da CF a segurança de serem os julgamentos proferidos por essa Corte
Popular considerados soberanos, isto é, em regra, não pode o Poder Judiciário
interferir na convicção dos Juízes leigos.
Ademais, é pacífica na Suprema
Corte que o Tribunal de Justiça deve ater-se ao juízo de verificação da correta
subsunção dos fatos à norma incriminadora – questão puramente de direito (HC n.
80.491/RS, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 07/12/2000) –, vedando-se
proceder, de modo minucioso, à análise e à valoração da prova.
Seguindo a mesma linha, o STJ
entende que a violação manifesta do judicium accusationis, em caso de
impronúncia ou despronúncia, por ser decisão terminativa, caracteriza violação
dos artigos 74, § 1º, e 408 do Código de Processo Penal (REsp 240.403/PA, Rel.
Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 15/04/2003, DJ
19/05/2003, p. 260).
[...]
Com isso, a Corte Catarinense,
ao excluir a apreciação dos fatos pelo Conselho de Sentença a partir do exame e
da análise do mérito da prova, promoveu prematuro juízo da conduta do
recorrido, subtraindo-o da cognição do Tribunal do Júri e reduzindo a amplitude
do julgamento do Tribunal popular.
Nesse sentido,
colhe-se da doutrina, segundo Fernando da Costa Tourinho Filho:
Na pronúncia, o
Juiz cinge-se e restringe-se em demonstrar a materialidade e autoria. Só. Esse
o papel da pronúncia, semelhante ao procedimento do grande Júri que havia no
Direito inglês: reconhecer a existência do crime, seja a parte objecti, seja a parte subjecti. O que passar daí é extravagância injustificada e
incompreensível. Mesmo que o Juiz fique na dúvida quanto à pronúncia, a
jurisprudência entende deva ela proferi-la, porquanto não exige ela juízo de
certeza. A pronúncia encera, isto sim, juízo fundado de suspeita. Daí porque, na
dúvida, deve o Juiz pronunciar. (in Código de Processo Penal Comentado.
5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pág. 27).
[...]”
Poderíamos então perguntar: mas
e o disposto no art. 155, do CPP? (se não sabe o que diz não tente adivinhar, abra
o código!)
O recurso tratou do referido
dispositivo da seguinte forma:
[...] Se não
bastasse isso, o argumento de ausência de provas colhidas sob o crivo do
contraditório não é suficiente para possibilitar a impronúncia do Recorrido,
quando presentes a comprovação da materialidade e indícios mínimos de autoria,
ainda que baseados nas provas colhidas no inquérito policial.
Isto porque, na
fase de pronúncia do acusado não há exigência de certeza a respeito do crime,
bastando que esteja comprovada a materialidade e indícios mínimos de autoria,
como no caso em tela em que tais requisitos foram satisfeitos.
E ainda, a
sentença de pronúncia, que é meramente declaratória, pode ser fundamentada nas
provas colhidas na fase inquisitorial, uma vez que essas podem ser reproduzidas
em plenário, sob a proteção, então, das garantias processuais. Por essa razão,
não incide sobre a pronúncia as limitações do artigo 155 do Código de Processo
Penal, o qual exige que a condenação seja baseada em provas obtidas sob o manto
da ampla defesa e do contraditório.
Nesse sentido, vem
decidindo a Corte Superior de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL
EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. PRONÚNCIA. PROVA COLHIDA DA FASE
POLICIAL. VALIDADE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. REEXAME DE PROVA.
1. Se o Tribunal
de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa, concluiu,
ainda que admitida a pronúncia com base na prova colhida na fase policial, que
não há indícios de autoria suficientes para ensejar a prolação de decisão de
pronúncia, o acolhimento da pretensão, tal como posta no recurso especial,
fundada na alegação de serem os indícios de autoria colhidos na fase policial
válidos e suficientes para a submissão do recorrido a julgamento pelo Tribunal
do Júri, implicaria no reexame do conjunto probatório dos autos, o que é vedado
nas instâncias excepcionais (Enunciado nº 7/STJ).
2. Agravo
regimental desprovido.
(AgRg no REsp
1188374/RO, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
21/05/2013, DJe 28/05/2013)
HABEAS CORPUS.
HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EM PROVAS COLHIDAS NO
INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE.
1. O juízo de
pronúncia limita-se à admissibilidade do fato delituoso, sem manifesta
procedência da pretensão punitiva, cuja competência constitucional é conferida
ao Tribunal do Júri.
2. Diante disso,
é possível a pronúncia ser fundamentada em provas colhidas na fase
inquisitorial.
3. Ordem
denegada.
(HC 113.754/SP,
Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA
TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 03/02/2012) [...]
RESUMÃO:
O processo listado como caso prático provocou debate sobre
a possibilidade, ou não, da pronúncia lastreada em prova colhida tão somente na
fase indiciária (inquérito policial).
O Magistrado pronunciou o réu, enquanto do Tribunal de
Justiça o impronunciou, sob o argumento de que aplicável, também quanto à sentença
de pronúncia, o artigo 155, do CPP.
A Coordenadoria de Recursos do Ministério Público interpôs
recurso especial sob o argumento de que inaplicável o art. 155, do CPP quando
da sentença de pronúncia, sob os argumentos de que: a) a competência para análise
da prova (sejas quais forem) é do Tribunal do Júri; b) a prova poderá ser
produzida em plenário sob o crivo do contraditório.
Por hoje é só.