sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Ação privada, a indivisibilidade e o conhecimento posterior de autoria.

Ontem publicamos sobre a indivisibilidade da ação penal privada, característica que tolhe a opção do ofendido em escolher contra quem proporá a ação penal. Também falamos que a hipótese possível de divisão da ação é o desconhecimento da co-autoria. A partir disto verifique os seguintes fatos:

1) A, B, C e D praticaram crime de calúnia contra X, sendo que X conhecia A, B e C, mas desconhecia quem seria o quarto elemento co-autor do delito;

2) X então apresenta queixa-crime apenas contra A, B e C;

3) A queixa-crime é julgada procedente (transitada em julgado) e A, B e C, são condenados pelo crime praticado.

4) Uma semana após o trânsito em julgado X toma conhecimento de quem seria o co-autor anteriormente desconhecido, ou seja, “D”;

5) X, embora tenha então conhecimento da autoria deixa fluir o prazo decadencial e não oferece queixa crime contra “D”.

Qual o remédio jurídico, se é que há algum, para a observância do princípio da indivisibilidade da ação penal privada no caso apresentado?

Primeiro ponto que devemos nos atentar é que o princípio é aplicável a todas as ações penais privadas e que a sua observância é obrigatória, conforme já foi dito, excetuada pelo desconhecimento da autoria, ou seja, no caso a queixa-crime apresentada teve trâmite regular e acertada a decisão de julgá-la eis que a divisibilidade da ação foi justificada.

A irregularidade surge quando X soube da co-autoria e deixou de interpor a ação contra “D”. Como há irregularidade e já transitou em julgado a ação penal, o remédio jurídico é a revisão criminal, fulcro no art. 621, III, do CPP.

Por sua vez, apresentando-se na revisão criminal os artigos 48 e 49 do CPP, o caminho esperado será o reconhecimento da ofensa ao princípio da indivisibilidade e a extinção da punibilidade de A, B e C.

Qualquer conhecimento sobre posição contrária favor apresentar nos comentários.

Abraço a todos e o desejo de um bom final de semana,

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Ação penal privada e indivisibilidade.

Na postagem de 14/08/2013 (http://goo.gl/QqIA44) tratamos de arquivamento implícito e concluímos que a indivisibilidade não é atributo da ação penal pública.

A presente postagem serve apenas para alertar que embora a indivisibilidade não seja característica da ação penal pública, é de observância obrigatória nos casos de ação penal privada, sendo que a única exceção possível é o não oferecimento de queixa-crime quando do desconhecimento da co-autoria.

Suponha os seguintes fatos:

1) A, B, C e D praticaram crime de calúnia contra X, sendo que X conhece todos os envolvidos;

2) X então apresenta queixa-crime apenas contra A, B e C, eis que, apesar dos fatos, simpatiza com D;

Conseqüências:

a) Não cabe ao Ministério Público aditar a queixa para inclusão de réu, em que pese ser seu dever zelar pela indivisibilidade (art. 48, do CPP) – maioria da doutrina.

b) Gera a extinção da punibilidade de todos os autores da calúnia, em face da renúncia tácita ante a não apresentação da queixa contra “D” (art. 107, V, do CP) cumulada com a previsão do art. 49, do CPP (A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá).

Do STF:

AÇÃO PENAL PRIVADA - CRIMES CONTRA HONRA - VEICULAÇÃO DAS ALEGADAS OFENSAS MORAIS MEDIANTE DOCUMENTO ASSINADO POR 19 (DEZENOVE) PESSOAS - OFERECIMENTO DE QUEIXA-CRIME, NO ENTANTO, SOMENTE CONTRA 02 (DOIS) DOS SIGNATÁRIOS - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PRIVADA - CONSEQÜENTE RENÚNCIA TÁCITA AO DIREITO DE QUERELA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. - Tratando-se de ação penal privada, o oferecimento de queixa-crime somente contra um ou alguns dos supostos autores ou partícipes da prática delituosa, com exclusão dos demais envolvidos, configura clara hipótese de violação ao princípio da indivisibilidade (CPP, art. 48), implicando, por isso mesmo, renúncia tácita ao direito de querela (CPP, art. 49), cuja eficácia extintiva da punibilidade estende-se a todos quantos alegadamente hajam intervindo no cometimento da infração penal (CP, art. 107, V, c/c o art. 104). Doutrina. Precedentes.

Abraço a todos,

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Prova da fase policial e pronúncia.

Na presente data fui cientificado de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina ante os seguintes fatos:

1) Mévio foi pronunciado por homicídio qualificado na sua forma tentada.

2) Mévio interpôs recurso em sentido estrito alegando a falta de provas na fase judicial e requerendo sua impronúncia.

3) O TJSC acolheu as razões de mérito exarando o seguinte acórdão:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA AVIDA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO (ART. 121, § 2.º, INCS. I E IV, C/C ART. 14, INC. II, DO CP). INSURGÊNCIA DEFENSIVA PRETENDENDO A IMPRONÚNCIA. VIABILIDADE. MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADA. AUSÊNCIA, TODAVIA, DE ELEMENTOS COLHIDOS SOB O MANTO DO CONTRADITÓRIO INDICANDO SER O RECORRENTE O AUTOR DO DELITO.
[...] se aos magistrados é vedado lastrear uma condenação criminal exclusivamente em elementos de prova que não tenham obedecido aos princípios e às garantias processuais constitucionais (que podem ser reunidos sob a denominação genérica de devido processo legal, consubstanciado basicamente no contraditório e na ampla defesa), da mesma forma não poderá o Tribunal do Júri, basear-se exclusivamente neste tipo de elemento para condenar. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO.

4) O MPSC, por sua Coordenadoria de Recursos Criminais interpôs Recurso Especial, visando restituir a pronúncia de Mévio, eis que cabe ao Tribunal do Júri a competência para análise das provas.

O recurso nos parece adequado, sendo que escolhemos pequenos trechos para compartilhamento:

A Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou vigência ao disposto nos artigos 74, § 1º, e 155 do Código de Processo Penal, ao impronunciar o recorrido por entender que “não existe elemento judicializado a amparar a versão narrada na denúncia no sentido de que João Antônio de Souza é o autor do crime” (fls. 163).

No entanto, determina o Código de Processo Penal, no seu artigo 74, § 1º, que “Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados”.

Com efeito, a competência do Tribunal do Júri, além de prevista em lei federal, recebeu da CF a segurança de serem os julgamentos proferidos por essa Corte Popular considerados soberanos, isto é, em regra, não pode o Poder Judiciário interferir na convicção dos Juízes leigos.

Ademais, é pacífica na Suprema Corte que o Tribunal de Justiça deve ater-se ao juízo de verificação da correta subsunção dos fatos à norma incriminadora – questão puramente de direito (HC n. 80.491/RS, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 07/12/2000) –, vedando-se proceder, de modo minucioso, à análise e à valoração da prova.

Seguindo a mesma linha, o STJ entende que a violação manifesta do judicium accusationis, em caso de impronúncia ou despronúncia, por ser decisão terminativa, caracteriza violação dos artigos 74, § 1º, e 408 do Código de Processo Penal (REsp 240.403/PA, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 15/04/2003, DJ 19/05/2003, p. 260).

[...]

Com isso, a Corte Catarinense, ao excluir a apreciação dos fatos pelo Conselho de Sentença a partir do exame e da análise do mérito da prova, promoveu prematuro juízo da conduta do recorrido, subtraindo-o da cognição do Tribunal do Júri e reduzindo a amplitude do julgamento do Tribunal popular.

Nesse sentido, colhe-se da doutrina, segundo Fernando da Costa Tourinho Filho:

Na pronúncia, o Juiz cinge-se e restringe-se em demonstrar a materialidade e autoria. Só. Esse o papel da pronúncia, semelhante ao procedimento do grande Júri que havia no Direito inglês: reconhecer a existência do crime, seja a parte objecti, seja a parte subjecti. O que passar daí é extravagância injustificada e incompreensível. Mesmo que o Juiz fique na dúvida quanto à pronúncia, a jurisprudência entende deva ela proferi-la, porquanto não exige ela juízo de certeza. A pronúncia encera, isto sim, juízo fundado de suspeita. Daí porque, na dúvida, deve o Juiz pronunciar. (in Código de Processo Penal Comentado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pág. 27).
 
[...]”


Poderíamos então perguntar: mas e o disposto no art. 155, do CPP? (se não sabe o que diz não tente adivinhar, abra o código!)

O recurso tratou do referido dispositivo da seguinte forma:

                           [...] Se não bastasse isso, o argumento de ausência de provas colhidas sob o crivo do contraditório não é suficiente para possibilitar a impronúncia do Recorrido, quando presentes a comprovação da materialidade e indícios mínimos de autoria, ainda que baseados nas provas colhidas no inquérito policial.

Isto porque, na fase de pronúncia do acusado não há exigência de certeza a respeito do crime, bastando que esteja comprovada a materialidade e indícios mínimos de autoria, como no caso em tela em que tais requisitos foram satisfeitos.

E ainda, a sentença de pronúncia, que é meramente declaratória, pode ser fundamentada nas provas colhidas na fase inquisitorial, uma vez que essas podem ser reproduzidas em plenário, sob a proteção, então, das garantias processuais. Por essa razão, não incide sobre a pronúncia as limitações do artigo 155 do Código de Processo Penal, o qual exige que a condenação seja baseada em provas obtidas sob o manto da ampla defesa e do contraditório.

Nesse sentido, vem decidindo a Corte Superior de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. PRONÚNCIA. PROVA COLHIDA DA FASE POLICIAL. VALIDADE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. REEXAME DE PROVA.

1. Se o Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa, concluiu, ainda que admitida a pronúncia com base na prova colhida na fase policial, que não há indícios de autoria suficientes para ensejar a prolação de decisão de pronúncia, o acolhimento da pretensão, tal como posta no recurso especial, fundada na alegação de serem os indícios de autoria colhidos na fase policial válidos e suficientes para a submissão do recorrido a julgamento pelo Tribunal do Júri, implicaria no reexame do conjunto probatório dos autos, o que é vedado nas instâncias excepcionais (Enunciado nº 7/STJ).

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1188374/RO, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 28/05/2013)
 
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE.

1. O juízo de pronúncia limita-se à admissibilidade do fato delituoso, sem manifesta procedência da pretensão punitiva, cuja competência constitucional é conferida ao Tribunal do Júri.

2. Diante disso, é possível a pronúncia ser fundamentada em provas colhidas na fase inquisitorial.

3. Ordem denegada.

(HC 113.754/SP, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 03/02/2012) [...]

RESUMÃO:

O processo listado como caso prático provocou debate sobre a possibilidade, ou não, da pronúncia lastreada em prova colhida tão somente na fase indiciária (inquérito policial).

O Magistrado pronunciou o réu, enquanto do Tribunal de Justiça o impronunciou, sob o argumento de que aplicável, também quanto à sentença de pronúncia, o artigo 155, do CPP.

A Coordenadoria de Recursos do Ministério Público interpôs recurso especial sob o argumento de que inaplicável o art. 155, do CPP quando da sentença de pronúncia, sob os argumentos de que: a) a competência para análise da prova (sejas quais forem) é do Tribunal do Júri; b) a prova poderá ser produzida em plenário sob o crivo do contraditório.

Por hoje é só.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Juntada certidão óbito, prova necessária para extinção da punibilidade.

Recebi inquérito policial que dava conta de um furto praticado por Mévio. No inquérito constava ainda depoimento da genitora de Mévio informando que este havia falecido em face de ferimentos por arma de fogo.

Constava dos autos de inquérito a ficha de ocorrência da Polícia Militar relativa à morte de Mévio, bem como o auto de exame cadavérico.

Questiono: que fim terá o inquérito policial?

Se houver prova da morte de Mévio, o fim do Inquérito será o arquivo em face da extinção da punibilidade do indiciado, contudo, falta-nos a prova da morte de Mévio.

Mas há o exame cadavérico e a ocorrência policial, aliado ao depoimento da mãe. Não basta?

Não. No processo penal brasileiro, quanto à prova, o sistema adotado é o da livre convicção do juiz também conhecido como da persuação racional, o que significa que não há valor legal atribuído a cada prova ou ainda uma liberdade do magistrado em seguir a própria consciência livre de critérios balizadores de suas decisões.

Dizeres como: “A confissão é a rainha das provas” e a “testemunha é a outra”, etc., não condizem como processo penal atual justamente porque o valor das provas não é definido legalmente.

Contudo, há exceção, a qual encontramos no parágrafo único, do art. 155, do CPP: Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Logo, quanto ao estado de pessoas, a prova necessária será aquela determinada em lei. Assim, o casamento deverá ser provado pela certidão de casamento e a morte pela certidão de óbito.

Tal disposição legal leva a situações como a decisão de 1997 que extinguiu a punibilidade de Virgolino Ferreira da Silva (Lampião), por crime ocorrido em 1925. A extinção da punibilidade deu-se pela prescrição, eis que no processo não havia prova da morte do cangaceiro.

Portanto, no inquérito policial recebido o parecer foi pela remessa de ofício ao Cartório de Registro Civil para juntada do necessário documento (certidão de óbito).

Abraço a todos,

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Perdão ou retratação da representação?

Nesta manhã analisei processo que apresentava os seguintes fatos:

1) Em 16/07/2012 por conta de algumas desavenças, Mévio (patrão) ofendeu Tício (empregado) chamando-o de “Preto Vagabundo”. Na mesma data Tício registrou boletim de ocorrência.

2) Em 20/11/2012 Tício, em audiência preliminar, expressou seu desejo de processar criminalmente Mévio.

3) Em 08 de março de 2013 a representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Mévio por infração ao artigo 140, § 3°, do CP. A denúncia ainda não foi recebida.

4) Em 28 de junho de 2013 o denunciado Mévio juntou aos autos cópia de termo de audiência trabalhista em que as partes realizaram acordo financeiro e onde se fez constar que Tício “se compromete a providenciar o arquivamento do processo criminal”. A audiência ocorreu em 19/06/2013 e Mévio requereu o reconhecimento do “Perdão” e a conseqüente extinção da punibilidade.

Vamos à análise:

Inicialmente quanto ao pedido do reconhecimento do “perdão”, temos que equivocado o pedido eis que, conforme já visto em postagem anterior (http://goo.gl/ymLbHs) o perdão é instituto existente tão somente nas ações privadas e o caso em exame é movido mediante ação pública condicionada (Art. 145, parágrafo único, in fine, do CP).

O caso trata de uma retratação da representação. O fundamento legal pode ser encontrado no artigo 25, do CPP, de cujo texto extrai-se que é possível a retratação da representação. Tal artigo ainda apresenta o prazo final para a retratação, qual seja: até o oferecimento da denúncia.

Como, no caso apresentado, a retratação deu-se após o oferecimento da denúncia, o parecer foi no sentido de que o processo siga seu regular trâmite.

ALERTA – Nos casos da Lei Maria da Penha, a retratação deve dar-se em audiência designada para tal fim e o prazo final dá-se com o recebimento da denúncia (art. 16, da Lei 11340/06).

Desejo de bom ânimo a todos já que a semana está só começando,

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Reprodução Simulada dos Fatos - parte III.

A presente é a terceira postagem a respeito do tema “Reprodução Simulada dos Fatos”. Narramos anteriormente:

1) Delegado de polícia civil solicitou à perícia que realizasse a reprodução simulada dos fatos;

2) Participaram do evento os peritos, o delegado responsável, o representante do Ministério Público, o policial envolvido nos eventos;

3) O local foi reconstituído, assim como os fatos, segundo a palavra de três policias militares que haviam participado do evento.

Já verificamos quanto à atribuição, competência, legitimidade, possibilidade de indeferimento, natureza e previsão legal do nosso tema, restaram ainda duas indagações:

a) A reprodução simulada de fatos deve contar com o contraditório?

b) É obrigatória a participação do investigado/réu no evento?

Em sendo a reprodução simulada de fatos um ato pericial e fonte de prova, certamente deverá contar com o contraditório se esta for realizada na fase judicial do processo, ou seja, após o oferecimento da denúncia. Neste caso (fase judicial), a notificação do réu e a intimação do defensor seriam obrigatórias.

Caso a perícia se realize na fase policial, ante a natureza inquisitorial do inquérito, o qual não conta com contraditório ou ampla defesa, entendemos não obrigatória a intimação de defensor e mesmo a notificação do réu, sendo que caberá à autoridade policial a verificação quanto à necessidade ou não da presença do investigado.

Por fim, quanto à obrigatoriedade do réu no evento, pode-se concluir que, uma vez determinada a sua presença, quer pela autoridade policial, quer pela autoridade judicial, deverá ser esta observada, sendo cabível, em caso de recusa, a condução coercitiva, conforme dispõe o art. 260, do CPP.

Contudo, como o ato de reprodução simulada de provas se constitui em meio de prova, e como rege, no Brasil, o princípio da não produção de provas contra si mesmo, embora obrigatória a presença, poderá o réu/indiciado deixar de colaborar com a perícia.

Do STF colhe-se o seguinte julgado:

O MAGISTERIO DOUTRINARIO, ATENTO AO PRINCÍPIO QUE CONCEDE A QUALQUER INDICIADO OU RÉU O PRIVILEGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO, RESSALTA A CIRCUNSTANCIA DE QUE E ESSENCIALMENTE VOLUNTARIA A PARTICIPAÇÃO DO IMPUTADO NO ATO - PROVIDO DE INDISCUTIVEL EFICACIA PROBATORIA - CONCRETIZADOR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO DELITUOSO. - A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME, ESPECIALMENTE QUANDO REALIZADA NA FASE JUDICIAL DA PERSECUÇÃO PENAL, DEVE FIDELIDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITORIO, ENSEJANDO AO RÉU, DESSE MODO, A POSSIBILIDADE DE A ELA ESTAR PRESENTE E DE, ASSIM, IMPEDIR EVENTUAIS ABUSOS, DESCARACTERIZADORES DA VERDADE REAL, PRATICADOS PELA AUTORIDADE PÚBLICA OU POR SEUS AGENTES. (HC 69026).

Abraço a todos,

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Reprodução Simulada de Fatos - parte II.

Na última postagem apresentamos os seguintes eventos:

1) Delegado de polícia civil solicitou à perícia que realizasse a reprodução simulada dos fatos;

2) Participaram do evento os peritos, o delegado responsável, o representante do Ministério Público, o policial envolvido nos eventos;

3) O local foi reconstituído, assim como os fatos, segundo a palavra de três policias militares que haviam participado do evento.

Após a verificação de alguns elementos da reprodução simulada de fatos, propus algumas indagações, quais sejam:

a) Em momento posterior à denúncia, o Juiz de Direito também pode requisitar a reprodução simulada de fatos?

b) O Delegado de Polícia, ou o Juiz de Direito, podem negar requerimento para a produção simulada de fatos?

c) Se é fonte de prova, deve contar com o contraditório?

d) É obrigatória a participação do investigado/réu no evento?

No que toca à primeira indagação, esta surge em face da previsão legal apontar a autoridade policial como o agente realizador da reprodução simulada (Art. 7°, do CPP), contudo, amplamente aceito que a autoridade judicial requisite a realização da referida prova, mesmo durante a instrução do processo penal, ou seja, em momento posterior à denúncia e a instauração do processo.

Do STF: [...] O artigo 7º do CPP confere à autoridade policial a faculdade de proceder à reconstituição do crime ou reprodução simulada dos fatos. Nada impede que o juiz, no exercício dos poderes instrutórios, a determine se achar relevante para dirimir dúvidas (CPP, art. 156). [...] (RHC 88320).

Quanto ao segundo questionamento, a resposta será positiva, sendo que, tanto a autoridade policial quanto à autoridade judicial, poderão indeferir requerimento para a realização da reprodução simulada dos fatos, desde que esta não importe ao esclarecimento da verdade.

O fundamento legal da afirmativa poderá ser encontrado no art. 184, do CPP: Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

Os tribunais superiores apenas corroboram o artigo 184, do CPP, senão vejamos:

STJ -  RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. PEDIDO DE REPRODUÇÃO SIMULADA DE FATOS. INDEFERIMENTO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1.  A reprodução simulada de fatos, nos termos do art. 7º do Código de Processo Penal, tem por objetivo verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, bem como sanar eventuais dúvidas acerca da autoria do delito. 2. De acordo com o art. 184 do Código de Processo Penal, "salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a pericia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade". O texto legal refere-se ao juízo de conveniência tanto da autoridade policial, quanto do magistrado, no que tange à relevância, ou não, da prova resultante da diligência requerida. Assim, não cabe ao Superior Tribunal de Justiça aferir, em lugar do magistrado, a importância da prova para o caso concreto. Precedentes. 3. Recurso ordinário a que se nega provimento. (RHC 28286 / RJ - 17/04/2012)
 

STF - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO. INDEFERIMENTO. JUIZ DE CONVENIÊNCIA A PROPÓSITO DA IMPORTÂNCIA DA DILIGÊNCIA. 1. O artigo 7º do CPP confere à autoridade policial a faculdade de proceder à reconstituição do crime ou reprodução simulada dos fatos. Nada impede que o juiz, no exercício dos poderes instrutórios, a determine se achar relevante para dirimir dúvidas (CPP, art. 156). 2. Por seu turno, o artigo 184 do CPP dispõe que [s]salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade". Tem-se aí juízo de conveniência tanto da autoridade policial, quanto do magistrado, no que tange à relevância, ou não, da prova resultante da diligência requerida. O Supremo Tribunal Federal não pode, em lugar do juiz, aferir a importância da prova para o caso concreto. (Precedentes). 3. A decisão que indeferiu a diligência está amplamente fundamentada no sentido de sua desnecessidade, não havendo, portanto, constrangimento ilegal a ser sanado por esta Corte. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. (RHC 88320)

Logo, ante a previsão legal e os julgados dos Tribunais Superiores, possível a afirmação que o magistrado poderá requisitar a Reprodução Simulada de Fatos, bem como que as autoridades policial e judicial poderão indeferir requerimento visando a realização da referida diligência.

Restam ainda duas indagações, mas como foge ao propósito das postagens os textos extensos (aliando-se à teoria que há dois tipos de discursos: os bons e os longos) deixamos as respostas para a próxima.

 
Abraço a todos, 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Reprodução Simulada de Fatos - parte 1

Ontem a tarde participei de reprodução simulada de fatos para esclarecimento das circunstâncias que envolveram atos praticados por policial militar que resultou na morte de terceiro civil. Eis os eventos processuais:

1) O delegado de polícia civil solicitou à perícia local que realizasse a reprodução simulada dos fatos;

2) Participaram do evento os peritos, o delegado responsável, o representante do Ministério Público, e os policiais envolvidos nos fatos apurados;

3) O local foi reconstituído, assim como os fatos, segundo a palavra de perito (responsável pelo exame pericial do local logo após a ocorrência) e três policias militares que haviam participado do evento.

O que, na qualidade de interessados em processo penal, nos importa é o que segue:

1º - Quanto à atribuição do delegado de polícia civil, eis que os fatos foram praticados por policial militar fardado e em horário de expediente:

No que toca a tal assunto temos: A atribuição da polícia civil, bem como a competência posterior para o processamento e julgamento do feito pela Justiça Estadual, resolve-se pelo disposto no art. 125. § 4°, da Constituição Federal:

Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil [...]

Referida matéria já foi tratada na seguinte postagem goo.gl/lJ20g, quando do julgamento dos Policiais Militares pelos crimes praticados na extinta prisão do Carandiru, cuja leitura recomendo.

2º - Da natureza e previsão legal da reprodução simulada de fatos:

Se atentarmos ao Título VII, do CPP, qual seja: “DA PROVA”, não encontraremos prevista/arrolada a “reprodução simulada de fatos”, o que leva à seguinte indagação: Há previsão legal para o ato? Possuí este natureza probatória?

Quanto à previsão legal, a encontraremos no artigo 7°, do CPP: Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.

E sim, é meio de prova e é esta sua natureza, do que concluímos que os meios de prova previstos no Título VII, do CPP, não é exaustivo sendo possível a realização de outras provas que não aquelas arroladas pelo pela lei processual. Outro exemplo muito comum nas investigações e instruções penais é o reconhecimento fotográfico.
 
Do STF colhemos:
 
A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME CONFIGURA ATO DE CARÁTER ESSENCIALMENTE PROBATÓRIO, POIS DESTINA-SE - PELA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS - A DEMONSTRAR O MODUS FACIENDI DE PRATICA DELITUOSA (CPP, ART. 7.). HC 69026
Ok. A autoridade que determinou a reprodução simulada de fatos possuía atribuições e este é um meio de prova válido e previsto dentre as atribuições da autoridade policial.

Outras dúvidas então podem ser suscitadas:

a) Em momento posterior à denúncia, o Juiz de Direito também pode requisitar a reprodução simulada de fatos?

b) O Delegado de Polícia, ou o Juiz de Direito, podem negar requerimento para a produção simulada de fatos?

c) Se é fonte de prova, deve contar com o contraditório?

d) É obrigatória a participação do investigado/réu no evento?

Os tribunais superiores nos auxiliam em tais respostas, mas as deixemos para a próxima publicação.

Desejos de uma boa jornada a todos,

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Perdão - oferecimento em audiência.

Ontem acompanhei audiência de instrução e julgamento em que a vítima ofereceu o perdão ao querelante. Não imagine o leitor uma cena do tipo: - Você me ofendeu, mas eu te perdoo. Então ambos se levantam e ante prantos se abraçam.
Nada disso, o que ocorreu foi o que segue:

1) Composta a sala de audiência a Procuradora do Querelante ofereceu o perdão ao Procurador do Querelado, informando, contudo, que desejava um acerto quanto ao valor da ação penal cível promovida pelo Querelante por danos morais (a queixa-crime tratava de crimes contra a honra);

2) Em comum acordo, Querelado e Procurador, aceitaram o perdão e propuseram o valor a ser pago pelos danos morais causados, o que foi aceito pelo Querelante.

3) Na sequência a Juíza extinguiu a punibilidade do Querelado.

Vejamos algumas características sobre o instituto do "Perdão":

1) Caberá após proposta a ação penal privada;

2) Necessita de concordância do querelado;
3) O perdão a um dos querelados aproveita aos demais que o aceitarem;
4) O perdão pode ser expresso ou tácito;
5) A recusa ao perdão tem que ser expressa;
6) O prazo para aceitação do perdão é de três dias;
7) O perdão gera extinção da punibilidade.


Ao caso concreto apresentado, não se aplicam os itens 3, 5 e 6, aplicando-se, contudo, os demais.

Podemos então observar que as características do instituto jurídico do "perdão" foram respeitadas. A proposta deu-se após a interposição de queixa-crime (o instituto só poderá ser aplicado em ação penal privada - não confundir com perdão judicial), foi apresentado de maneira expressa, contou com a concordância do querelado e gerou a extinção da punibilidade.

Irrelevante quanto ao perdão foi o acerto cível, o qual, contudo, foi respeitado pela Magistrada presente, consignando o acordo em ata, ante a predisposição das partes em resolver as pendências.

Convido o leitor,  agora ou quando tiver tempo, a abrir o Código de Processo Penal e o Código Penal e verificar o fundamento legal de cada característica acima apontada. Por certo poderia tê-lo feito no presente escrito, contudo, creio que pouco lhe acrescentaria e seria esquecido ao clicar do x do canto superior direito da página. Ademais, um pouco de exercício vai bem.

Abraço a todos,

Milani Maurilio Bento


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Instrução e julgamento na lei de drogas - parte II

Na última publicação (http://goo.gl/vLvGfn) verificamos a aplicação de dois ritos distintos em audiência de instrução e julgamento, eis os casos:

1) Em um primeiro caso, Tibúrcio foi denunciado por infração ao artigo 33, da Lei 11343/06, eis que trazia consigo 39 pedras (5 gramas) de substância entorpecente conhecida vulgarmente como crack.

2) Já no segundo caso, Mévio foi denunciado, por infração ao artigo 33, da Lei 11343/06 e, em concurso material, por infração ao artigo 329, do CP, eis que, trazia consigo 58 pedras (9 gramas)  de substância entorpecente conhecida vulgarmente como crack, bem como resistiu à ordem de prisão mediante violência.

3) Em ambos os processos foram arrolados dois policiais militares como testemunhas da denúncia e nenhuma testemunha de defesa foi apresentada.

4) Com relação ao primeiro caso, tão logo aberta a audiência foi o réu interrogado (1). Na seqüência foram ouvidos os policias militares (2) e, ao final, feitas as alegações finais orais (3).

5) No segundo caso, tão logo aberta a audiência, foram ouvidos os policiais militares (1), na seqüência foi interrogado o réu (2) e, ao final, foram feitas as alegações finais orais.

Escrevemos então que o rito da Lei de Drogas faz previsão do interrogatório como primeiro ato da audiência de instrução e julgamento, enquanto que o Código de Processo Penal faz previsão de que este seria o último ato a ser realizado.

Concluímos que em virtude da especialidade da lei de drogas e do primeiro caso tratar exclusivamente de crime inscrito na referida lei, acertada a adoção do rito previsto naquela.

Deixamos para hoje o segundo caso, qual seja, em que a denúncia traz crime previsto na Lei 11.343/06 em conexão com infração do Código Penal.

Evidente que o segundo caso traz um conflito de ritos ante a conexão. A antiga Lei de Tóxicos (6.368/76 – art. 28) resolvia a questão pela gravidade do crime, informando que o rito a ser adotado seria aquele aplicável ao crime mais grave. Tal disposto não foi repetido pela atual Lei de Drogas, pelo que há dúvida sobre o rito adequado a ser adotado.

No caso concreto apresentado foi adotado o rito ordinário com previsão no Código de Processo Penal, realizando-se o interrogatório ao fim da audiência de instrução e julgamento, o que, teoricamente, amplia as oportunidades de defesa e contraditório do réu.

Os tribunais superiores não possuem indicação segura para a solução do conflito instaurado pela conexão.

Há decisões do STJ que alegam ser adequado o rito da Lei de Drogas, em face do princípio da especialidade. Vejamos:

[...] TRÁFICO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ARTIGO DA LEI 11.343/2006 E ARTIGO 14 DA LEI 10.826/2003). APONTADA NULIDADE DO PROCESSO EM FACE DA INOBSERVÂNCIA DA ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS E DO ACUSADO PREVISTA NO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ADOÇÃO DE RITO PREVISTO EM LEGISLAÇÃO ESPECIAL.

1. A Lei 11.343/2006 regulamenta o procedimento a ser seguido nas ações penais deflagradas para a apuração da prática dos delitos ali descritos, dentre os quais o de tráfico de entorpecentes,

estabelecendo, assim, rito especial em relação ao comum ordinário, previsto no Código de Processo Penal.

2. Por conseguinte, e em estrita observância ao princípio da especialidade, existindo rito próprio para a apuração do delito atribuído ao paciente, afastam-se as regras do procedimento comum

ordinário previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação pressupõe, por certo, a ausência de regramento específico para a hipótese.

3. Se a Lei 11.343/2006 determina que o interrogatório do acusado será o primeiro ato da audiência de instrução e julgamento, ao passo que o artigo 400 do Código de Processo Penal prevê a realização de

tal ato somente ao final, não há dúvidas de que deve ser aplicada a legislação específica, pois, como visto, as regras do procedimento comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando nele

houver omissões ou lacunas. [...] (HC 184530 – julgado em 05/02/2013).

Por sua vez, do STF, colhemos:

[...] Paciente que responde pela prática de crimes para os quais estão previstos ritos processuais diferentes. Possibilidade de adoção do procedimento ordinário, previsto no Código de Processo Penal, por ser o mais abrangente e capaz de assegurar, em sua totalidade, o direito ao contraditório e à ampla defesa. [...] (RHC 101889/RJ – julgado em 11/05/2010).

Ou seja, ante a diversidade de entendimentos, nos parece que os tribunais superiores estão decidindo com base no velho brocardo francês do pás de nullité sans grief, expresso no art. 563, do CPP: Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.  

Deve o leitor acompanhar futuras decisões, no sentido de verificar quanto à pacificação de um ou outro entendimento, ou seja, seguir-se-á o rito da Lei de Drogas, em face do princípio da especialidade, ou o rito do CPP, em face de sua maior abrangência e com relativa vantagem defensiva. Por enquanto, ambos os ritos estão sendo aceitos,
 
Abraço a todos e o desejo de uma boa semana.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Instrução e julgamento na Lei de Drogas - parte I.

Peço desculpas aos leitores pela ausência de publicação na data de ontem, o que  se deu em virtude da intensa atividade na Promotoria de Justiça em que atuo. Dentre tais atividades ocorreram 05 (cinco) audiências de instrução e julgamento, e dentre estas duas que diziam respeito a tráfico de drogas e que podem  ser úteis para a publicação de hoje. Acompanhe:

1) Em um primeiro caso, Tibúrcio foi denunciado por infração ao artigo 33, da Lei 11343/06, eis que trazia consigo, para fins de venda, 39 pedras (5 gramas) de substância entorpecente conhecida vulgarmente como crack.

2) Já no segundo caso, Mévio foi denunciado, por infração ao artigo 33, da Lei 11343/06 e, em concurso material, por infração ao artigo 329, do CP, eis que, trazia consigo, para fins de venda,  58 pedras (9 gramas)  de substância entorpecente conhecida vulgarmente como crack, bem como resistiu à ordem de prisão mediante violência.

3) Em ambos os processos foram arrolados dois policiais militares como testemunhas da denúncia. Nenhuma testemunha de defesa foi apresentada.

4) Com relação ao primeiro caso, tão logo aberta a audiência foi o réu interrogado (1). Na sequência foram ouvidos os policias militares (2) e, ao final, feitas as alegações finais orais (3).

5) No segundo caso, tão logo aberta a audiência, foram ouvidos os policiais militares (1), na sequência foi interrogado o réu (2) e, ao final, foram feitas as alegações finais orais.

Note o leitor que houve uma inversão de ordem na audiência no que toca ao interrogatório e à oitiva das testemunhas, em que pese ambos os processos tratarem do crime de tráfico de drogas.

Isto deu-se em virtude da diferenciação de ritos previstos no art. 57, da Lei 11343/06, e no art. 400, do CP), vejamos:

Lei de Drogas - Art. 57.  Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.

Código de Processo Penal – Art. 400.  Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado

Da divergência legal surge o debate sobre o rito adequado.

Há quem diga (e é bom que o leitor o saiba da existência de tal corrente de entendimento) que em face da abrangência do CPP e do texto evidentemente mais benéfico ao réu, deverá o rito previsto em seu art. 400, alcançar também os crimes previstos na Lei de Drogas.

Contudo, tal entendimento é minoritário, sendo que, o próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 394, § 2°, faz a seguinte ressalva: Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial.

Logo, quanto ao primeiro caso relatado, adequada a adoção do rito previsto na Lei de Drogas, eis que a denúncia tratava exclusivamente do crime de tráfico e o rito comum o CPP não se aplica às leis especiais, como a 11.343/06.
 
Esta questão foi posta ao STJ, que assim se manifestou:
 
A regra prevista no art. 400 do Código de Processo Penal, a qual determina que o interrogatório seja realizado após a produção das provas testemunhais e periciais, é excepcionada no art. 394, § 2.º, do referido diploma legal, que estabelece a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário do próprio Código de ritos ou de lei especial. (HC 257073 / MG - 21/03/2013).
Resta então a análise quanto ao segundo caso, relativo à conexão entre crime de tráfico e desobediência, o que faremos na próxima publicação.

Abraço a todos e o desejo de um abençoado fim de semana.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Da ação penal pública e do arquivamento implícito.

Suponha os seguintes fatos:

1) O Ministério Público recebe inquérito policial, onde estão narrados vários crimes de tortura e seus autores;

2) Com base no referido inquérito, o Promotor de Justiça apresenta denúncia por tortura contra os policiais A, B, C, D, E, F e G;

3) Em outro momento, o mesmo promotor, recebe inquérito que trata dos mesmos fatos, onde, analisando com maior atenção, verifica que também participou dos fatos o policial H, pelo que oferece nova denúncia, desta feita, contra H;

4) O primeiro inquérito já informava da participação do policial H;

5) H, por seu defensor, pede o trancamento da ação penal, eis que, segundo seu entendimento, em face do princípio da indivisibilidade, o que ocorreu quando da análise do primeiro inquérito e denúncia, foi o arquivamento implícito, pelo que, sem novas provas não é possível a apresentação de denúncia contra H.

6) O pedido foi rejeitado.

A questão é: H possuía ou não razão em suas argumentações?

Há uma série de princípios que regem a ação penal pública, assim como há princípios que regem a ação penal privada. No que toca à ação penal pública, algumas doutrinas trazem como princípio a indivisibilidade.

Tais doutrinas, informam que não cabe ao membro do Ministério Público escolher quem será denunciado dentre os autores de um crime, antes, deverá apresentar denúncia única contra todos os autores, salvo desconhecida a autoria.

Como consequência lógica da indivisibilidade estaria a interpretação de que há  arquivamento tácito ou implícito quando o Ministério Público silencia quanto a qualquer dos autores do fato criminoso.

Contudo, em melhor análise, verificamos que o princípio aplicável à ação penal pública não é o da indivisibilidade, mas sim, o da indisponibilidade ou da obrigatoriedade, ou seja, independentemente de em uma mesma denúncia ou não, está obrigado o Ministério Público ao oferecimento da denúncia caso verifique autoria e materialidade. Paralelo a isto, não há no ordenamento jurídico pátrio o chamado arquivamento implícito ou tácito.    

Levada a questão ao STF, foi proferido o seguinte julgamento:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PACIENTE DENUNCIADO PELO CRIME DE TORTURA APENAS NA SEGUNDA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE NESSA HIPÓTESE. ORDEM DENEGADA. PRECEDENTES DA CORTE. I – Alegação de ocorrência de arquivamento implícito do inquérito policial, pois o Ministério Público estadual, apesar de já possuir elementos suficientes para a acusação, deixou de incluir o paciente na primeira denúncia, oferecida contra outros sete policiais civis. II – Independentemente de a identificação do paciente ter ocorrido antes ou depois da primeira denúncia, o fato é que não existe, em nosso ordenamento jurídico processual, qualquer dispositivo legal que preveja a figura do arquivamento implícito, devendo ser o pedido formulado expressamente, a teor do disposto no art. 28 do Código Processual Penal. III – Incidência do postulado da indisponibilidade da ação penal pública que decorre do elevado valor dos bens jurídicos que ela tutela. IV – Não aplicação do princípio da indivisibilidade à ação penal pública. Precedentes. V – Habeas corpus denegado. (HC 104356 / RJ  - Julgamento:  19/10/2010)          

Logo, segundo o STF, de cujo entendimento compartilhamos, não há razão nas argumentações de H, sendo incabível o reconhecimento do arquivamento implícito ou ainda o princípio da indivisibilidade.

Abraço a todos,

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Lesão simples, Lei Maria da Penha e ação penal.

Verificamos na postagem anterior que o crime de lesão corporal simples deverá ser processado por ação penal pública condicionada, por força do art. 88, da Lei 9099/95.

A partir desta premissa, passamos a verificar a ação penal relativa ao crime de lesão corporal praticada contra a mulher em um contexto de violência doméstica.

Vamos aos eventos jurídicos que nos importam:

1º) Após a égide da Lei Maria Penha, perante o Supremo Tribunal Federal, foi interposto Habeas Corpus, autuado sob n. 106212, que questionava a constitucionalidade do art. 41, da referida lei (11.340/06).

Por sua vez, do artigo 41, da Lei Maria da Penha extraímos: Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

O STF julgou constitucional o artigo 41, alegando que a proteção à família, com privilégio à proteção da mulher, contra com previsão constitucional.

Portanto, da letra da lei e da decisão acima exposta, concluímos que não será aplicada a Lei 9099/95 aos crimes contra a mulher em contexto de Violência Doméstica.

2º) Surgiu então a seguinte dúvida:

O artigo 12, inciso I e artigo 16, ambos da Lei 11.340/06, falam da representação por parte da ofendida, ou seja, possível a interpretação de que, relativo à Lei 9099/95, não seriam aplicados os institutos da audiência preliminar, transação penal e suspensão condicional do processo, mas que seria aplicável o art. 88, e sua previsão de que a lesão corporal simples depende de representação, já que a própria Lei Maria da Penha traz em seu texto o instituto da representação, ou seja, prevê que alguns casos serão processados em ação penal pública condicionada.

A questão foi levada ao STF pela ADI 4424/DF. Ao julgar o feito o Supremo entendeu não ser aplicável a Lei 9.099/95 em casos de violência doméstica contra a mulher, inclusive quanto ao seu artigo 88, esclarecendo/interpretando, que as referências da Lei Maria da Penha quanto à necessidade de representação dizem respeito a crimes de ação pública condicionada outros que não a lesão corporal simples ou culposa.

Por exemplo, o crime de ameaça continuará dependendo de representação da ofendida, eis que previsão de que depende de representação está prescrita no Código Penal e não na Lei 9099/95.

Em suma, os crimes de lesões leves e culposas, praticadas no contexto da Lei Maria da Penha, independem de representação da vítima, portanto, são apurados mediante ação pública incondicionada.

Abraço a todos,

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A ação penal no crime de lesão corporal simples

Nas postagens anteriores chamamos a atenção para o artigo 100, do Código Penal: A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

A partir desta premissa podemos determinar quais os crimes são processados mediante ação penal pública e quais não, por exemplo:

Furto – Art. 155, do CP – Ação Penal Pública Incondicionada;

Estelionato – Art. 171, do CP – Ação Penal Pública Incondicionada;

Ameaça – Art. 147, do CP – Ação Penal Pública Condicionada (ver parágrafo único);

Pirataria ou Violação de Direito autoral (Art. 184, do CP):

    Sem intuito de lucro – Ação Penal Privada (Art. 186, I, do CP);

    No intuito de lucro – Ação Penal Pública Incondicionada (Art. 186, II, do CP);

    Oferecimento de sinal via cabo ou ondas -  Ação Penal Pública Condicionada (Art. 186. IV, do CP);

     E se quaisquer dos crimes de pirataria foi contra entidade de direito Público – Ação Penal Pública Incondicionada (Art. 186, III, do CP).

 
Logo, abrindo o código penal, conclui-se que a ação penal apropriada poderá ser encontrada logo abaixo do artigo, ao final do capítulo correspondente, ou ainda no final do Título, como no caso dos crimes contra o patrimônio.

A presente publicação visa chamar atenção do estudante do Direito Processual Penal quanto a uma exceção a esta regra, na qual a ação penal foi prevista em legislação diversa. É o que ocorre com os crimes de lesão corporal leve (art. 129, caput, do CP) e de lesão culposa (art. 129, § 6°, do CP - por ora deixaremos de lado as lesões corporais em acidente de trânsito).

Nada poderá ser encontrado no Código Penal a respeito da ação penal nos crimes de lesões simples ou culposas, o que levaria, segundo a regra geral, ao entendimento de que serão apuradas mediante ação penal pública incondicionada.
 
Contudo, a Lei 9099/95, fez a seguinte previsão:

Art. 88 – Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.  

Assim, mediante a expressa previsão da Lei 9099/95, a ação penal nos casos de lesões leves e culposas, será pública condicionada.

Sei que a informação não traz novidade, mas é necessária como base para assunto de maior debate e complexidade que é a questão da ação penal nos crimes relacionados à Lei Maria da Penha, assunto que daremos início na próxima publicação se assim Deus o permitir.

Abraço a todos,

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Parte II - Furto e ação penal privada.

Continuando como assunto “ações penais” lembramos que na publicação anterior falávamos que a regra do art. 100, do Código Penal, indica que a ação será pública caso não haja texto expresso em contrário.

Apresentamos ainda o seguinte caso prático:

1) Em 27 de março de 1998, foi distribuída perante a 1ª Vara Criminal da Comarca de Joinville/SC, uma QUEIXA-CRIME, na qual foi narrado um furto de um veículo Mercedes Benz, pertencente à vítima Mévio, ocorrido no dia 18 daquele mesmo mês e ano.

2) Na queixa-crime foi narrado que o autor do furto seria Tiburcio, irmão da vítima Mévio.

3) O pedido foi autuado e veio com vista para parecer.

Verificamos que o crime de furto deverá ser processado mediante ação penal pública (peça inaugural da ação – denúncia) e não ação penal privada (peça inaugural da ação – queixa-crime), e que, portanto, a ação proposta foi inadequada.

Por fim alertamos para dois pontos, o primeiro tratamos na publicação anterior e dizia respeito à possibilidade da interposição de ação penal privada em crimes que por natureza seriam de ação penal pública, o que se dá ante o não oferecimento da denúncia no prazo legal. Resta ainda o segundo ponto diretamente vinculado ao caso concreto apresentado, vamos a ele:

2º) O autor do crime, Tibúrcio, era irmão da vítima Mévio. Logo deveremos nos ater ao disposto no artigo 182, do Código Penal, o qual reza que:

Art. 182. Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:

I – [...]

II – de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III – [...]

Da falta de previsão expressa de que ação seria privada, chegamos à conclusão de que a ação penal, no caso concreto apresentado, deverá ser pública, e ante o texto do artigo 182, do CP, extraímos que a ação penal está condicionada à representação do ofendido, que no caso é a vítima Mévio.

Logo, podemos classificar o furto contra irmão (também contra cônjuge desquitado ou judicialmente separado ou contra o tio ou sobrinho que coabita com o ofendido) como sendo de ação penal pública condicionada.

Nosso parecer deu-se pelo não recebimento da queixa-crime apresentada em face da inadequação da ação penal eleita, mas pelo acolhimento da mesma como se representação fosse, legitimando assim o Ministério Público ao oferecimento da denúncia.

Abraço a todos e o desejo de um excelente e abençoado final de semana.

Prof. Milani

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Furto e ação penal privada

Na data de ontem publicamos sobre a divisão das ações penais, o que poderá ser esquematizado da seguinte forma:

1) AÇÃO PENAL PÚBLICA

    1.1) Pública Incondicionada;

    1.2) Pública Condicionada;

2) AÇÃO PENAL PRIVADA

     2.1) Privada exclusiva;

     2.2) Privada subsidiária;

     2.3) Privada personalíssima.

Quanto ao tema já verificamos que a ação privada personalíssima só poderá ser interposta pelo ofendido e por mais ninguém na face da terra, nem pelo Papa, nem pelo Bono Vox ou mesmo pelo Lula, nem por qualquer parente do ofendido.

Para hoje separamos o seguinte caso:

1) Em 27 de março de 1998, foi distribuída perante a 1ª Vara Criminal da Comarca de Joinville/SC, uma QUEIXA-CRIME, na qual foi narrado um furto de um veículo Mercedes Benz, pertencente à vítima Mévio, ocorrido no dia 18 daquele mesmo mês e ano.

2) Na queixa-crime foi narrado que o autor do furto seria Tiburcio, irmão da vítima Mévio.

3) O pedido foi autuado e veio com vista para parecer.

Indaga-se, a ação era própria? Em caso negativo, qual seria a ação apropriada?

Inicialmente informamos que a queixa-crime é o instrumento para a propositura da ação penal privada, ou seja, qualquer caso de ação penal privada deverá ter início com uma queixa-crime, mesmo a ação penal privada subsidiária da pública deverá ser interposta por queixa-crime.

Logo, já sabemos que Mévio intentou dar início a uma ação privada. Contudo, extraímos do artigo 100, do Código Penal que: A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

Como não há norma legal a expressar ser o furto uma modalidade de crime a ser verificado mediante ação penal privada, concluímos que a ação penal a ser intentada deverá ser a pública e não a ação privada, o que nos leva, em uma primeira análise a concluir que a ação penal proposta foi inadequada.

Contudo, há dois pontos que necessitam de atenção do leitor:

1º) Segundo autorizado pela Constituição Federal (Art. 5°, inciso LIX) e pelo § 3°, do art. 100, do Código Penal, a ação de iniciativa privada poderá ser promovida nos casos de ação penal pública se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal (Ação Penal Privada Subsidiária).

Necessário então verificarmos os prazos. Aliás, fica a dica para o concurso público, sempre que uma data for lançada no problema, por certo sua utilidade é a verificação de prazos.

Vamos ao problema: a queixa foi apresentada em tempo inferior a dez dias após os fatos. Ou seja, sequer o prazo para o inquérito policial havia sido vencido (no caso, 30 dias por tratar-se de réu solto) tampouco o prazo para a denúncia (15 dias, por tratar-se de réu solto).

O leitor então pode verificar que o prazo para a ação penal pública não foi vencido e, portanto, incabível a ação penal privada sob o fundamento da exceção constitucional à ação penal pública.

Mas ainda resta um segundo ponto de importância e que deve ser conhecido pelo leitor, no qual nos debruçaremos no dia de amanhã.

Por hoje é só pessoal. Obrigado e abraço a todos.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Ação penal privada personalíssima

Voltamos de férias e às publicações (desculpem pelo atraso de dois dias).

Trataremos doravante da Ação Penal, matéria recorrente em concursos públicos e creio que o maior percentual de questões no que toca ao Direito Processual Penal. Vamos a um caso prático:

Há anos, me deparei com ação penal promovida por “A”, eis os fatos:

1) “A” requereu a instauração de inquérito policial pelo crime de adultério (na época ainda em vigor);

2) O IP (inquérito policial) foi instaurado e no decorrer da investigação logrou-se apurar a ocorrência do adultério narrado por “A” e praticado por “B” que na época era a esposa de “A”;

3) “A” propôs então ação penal, através de queixa-crime, contra “B”, em face do adultério praticado.

Até então os fatos ocorreram como descritos acima, mas quem disse que concurso público guarda vínculo com a realidade? Então vamos a alguns acréscimos que serão didáticos:

4) “A” faleceu no decorrer da ação penal, sendo que “D”, irmão do falecido, fundamentado no art. 31, do CPP, requereu o prosseguimento da ação, o que foi indeferido pelo magistrado, que extinguiu a ação.

A questão é: a decisão do magistrado foi correta?

A resposta é positiva, e passa pela divisão das ações penais. Dividem-se as ações penais em dois grandes grupos: 1) Pública; 2) Privada. Por sua vez, as ações públicas dividem-se em a) condicionadas; ou b) incondicionadas. Enquanto as ações privadas dividem-se em:  a) subsidiárias; b) personalíssimas e c) exclusivas.

O crime de adultério pertencia ao grupo das ações privadas, resta saber em qual categoria, do que não faremos segredo nem suspense: b) Personalíssimas.

Sobre tal modalidade de ação nos ensina CAPEZ:

Ação privada personalíssima: Sua titularidade é atribuída única e exclusivamente ao ofendido, sendo o seu exercício vedado até mesmo ao seu representante legal, inexistindo, ainda, sucessão por morte ou ausência. Assim, falecendo o ofendido, nada há que se fazer a não ser aguardar a extinção da punibilidade do agente. É como se vê, um direito personalíssimo e intransmissível. (Curso de Processo Penal, 12ª edição).

Com a revogação do crime de adultério, o único crime a pertencer a tal categoria de ação penal é o induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, com previsão no art. 236, do CP. Veja o disposto na primeira parte do parágrafo único do referido artigo:

“A ação penal depende de queixa do contraente enganado [...]”.

Tal texto a torna personalíssima e não poderá ser interposta por terceiros, mesmo que representante legal ou pelo rol apresentado no art. 31, do CPP.
 
Em conclusão, deve o conhecedor do processo penal saber que dentre as ações penais privadas encontramos as personalíssimas nas quais é impossível a substituição do autor, mesmo em face de seu falecimento, bem como que o único caso da legislação pátria é o do art. 236, do CP. 

Hoje ficamos por aqui, abraço a todos,