Na presente data recebemos processo dando conta da seguinte situação:
a) Mévio apresentou notícia crime contra Tício informando que este invadira um terreno de sua propriedade, portanto teria cometido o crime de Violação de Domicílio.
b) Tício esclareceu que o terreno está sob litígio judicial e que pertence a si e não a Mévio.
Pergunta-se, há ou não o crime de violação de domicílio?
Eis o parecer conforme lançado nos autos (autoria da Natália Pereira - assistente da Promotoria):
a) Do crime de violação de
domicílio
Mévio alega que Tício (sim, trocamos os nomes para a presente postagem) invadiu terreno de sua propriedade,
violando, então, o art. 150 do CP, o qual dispõe: "entrar ou
permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou
tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena -
detenção, de um a três meses, ou multa.".
À primeira vista poderíamos pensar que a
violação de domicílio somente se configuraria quando o ingresso ou permanência
em casa alheia ou em suas dependências fosse clandestino ou astucioso. Contudo,
a entrada ou permanência deverá, ainda, consoante dispõe o referido dispositivo
ocorrer contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito.
Nesse sentido, colhe-se dos ensinamentos
de Nelson de Hungria: "é ao morador, seja a que título for
(proprietário, locatário, arrendatário, possuidor legítimo, usufrutuário,
hóspede, etc., que cabe a faculdade de admitir ou excluir o extranei" (Hungria,
Nelson. Comentários ao código penal, v. 5, p. 218).
Assim, somente pode recusar o ingresso ou
a permanência de alguém na casa ou em suas dependências quem detém o poder
legal para tanto, ou seja, aquele a quem a lei aponta a quem de direito.
Ocorre que, in casu, há discussão judicial acerca do real
proprietário do terreno em questão (Ação n. 033.07.028581-3), encontrando-se
pendente julgamento de recurso de apelação interposto pela parte autora,
conforme consulta realizada ao Sistema de Automação do Judiciário-SAJ.
Portanto, desconhecido o real
possuidor/proprietário do imóvel, impossível amoldar às condutas dos noticiados
no art. 150 do CP.
Ademais, o bem jurídico protegido pelo
mencionado dispositivo é a tranquilidade doméstica, ou seja, não visa proteger
a posse ou propriedade, mas sim a liberdade privada e doméstica do individuo,
punindo a sua ilegal perturbação, devendo, então, a expressão casa ser
considerada como habitada, o que não é o caso dos autos, haja vista se tratar
de um terreno sem ocupação.
Vejamos o entendimento jurisprudencial:
A
incriminação da violação de domicílio visa à proteção da moradia, e não o
direito de propriedade, eis que é interesse do Estado em garantir a liberdade
individual, ou seja, o direito de cada um viver livre de qualquer intromissão
em sua casa ou lar (TACRIM-SP-AC- Rel. José Habice- RJD 81/168).
A
expressão "casa" contida no caput do art. 150 do estatuto penal é a
mais ampla possível, abrangendo qualquer compartimento habitável, ainda que em
caráter eventual (TACRIM-SP- AC- Rel. Dias Tatit- JUTACRIM 93/273).
Assim, verifica-se, no que tange ao
delito de violação de domicílio, atipicidade da conduta dos noticiados.
Abraço a todos,