quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Atribuições da Polícia Civil - questão de concurso.

Dentre os últimos concursos para Promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina, foi formulada a seguinte assertiva para fins de verificação se verdadeira ou falsa:
 
(   ) Assinalando preceitos de eficácia plena, a Carta Federal estabelece que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da  União, a execução de serviços administrativos de trânsito, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
 
Trata-se de questão que exige por demais a atenção do candidato, eis que, ao menos em Santa Catarina, cabe à Polícia Civil a execução de serviços administrativos de trânsito, o que pode levar o candidato a anotar como verdadeira afirmação.
 
O erro não está nas atribuições da Polícia Civil arroladas, mas sim na fonte legal anotada na questão. Da "Carta Federal" nascem apenas as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, mas não os serviços administrativos de trânsito, senão vejamos:
 
Art. 144 -

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

E o serviço administrativo de trânsito? Tal atribuição, nasce da Constituição Estadual do Estado de Santa Catarina.

Portanto, acertou a questão que anotou a questão como falsa.

Abraços,

 

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

DVD falso da Lady Gaga e o Princípio da Adequação Social.

Mévio resolveu mudar de ramo, deixar a desonestidade e passar a uma atividade legal. Então passou a adquirir CDs de música e DVDs de filmes na cidade de São Paulo e revender o material no Rio Grande do Sul. Mévio não deu muita importância que as capas eram de xerox em preto e branco e que o título vinha anotado no CD ou DVD com caneta hidrocor azul. Mévio sabia que o material era tão original quanto o tênis naique que tinha em casa, mas o negócio era bom, comprava a R$ 1,00 cada e revendia a R$ 5,00.

Surpreso, Mévio foi preso, lhe disseram que estava cometendo o crime previsto no artigo 184, § 2°, do CP.

Mévio achou um absurdo, já que muitos praticavam a mesma conduta, inclusive autoridades adquiriam seus DVDs, incluindo aqueles com shows da Lady Gaga. Contratou um advogado que traduziu a revolta de Mévio, alegando ao Juiz de Direito o Princípio da Adequação Social.

O argumento foi aceito, e Mévio absolvido. Após recurso do Ministério Público, o Tribunal manteve a absolvição. Foi então interposto Recurso Especial, que foi acolhido pelo STJ e ante a reiteração de casos similares, editou a SÚMULA 502 cujo teor é o que segue:

“Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas”.

Do voto da Ministra Maria Thereza de Assis Moura extraímos: “o fato de, muitas vezes, haver tolerância das autoridades públicas em relação a tal prática, não pode e não deve significar que a conduta não seja mais tida como típica, ou que haja exclusão de culpabilidade, razão pela qual, pelo menos até que advenha modificação legislativa, incide o tipo penal, mesmo porque o próprio Estado tutela o direito autoral”.

Resumo: Mais uma pena para Mévio, e a interpretação do STJ que o crime de pirataria não deve ser desconsiderado ante o princípio da adequação social.

Abraço a todos,

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Mévio é preso em flagrante ficto.

Inicialmente, pedimos desculpa pela ausência nos últimos dias, alguns compromissos impediram as publicações.

Voltamos então com Mévio que praticou o seguinte delito:

a) Em cidade de SC, às 18h00 de uma quarta-feira, Mévio, juntamente com terceiro não identificado (pode até ser que era o Tício) praticou, sob a grave ameaça exercida pela ostentação de arma de fogo, a subtração de numerário e ingressos de um estabelecimento comercial.

b) No dia seguinte, sem que houvesse perseguição anterior, às 14h00, Mévio foi preso em flagrante delito por estar na posse dos ingressos subtraídos bem como portando arma de fogo.

Questiona-se - no caso, cabível a prisão em flagrante, mesmo 20 horas após os fatos?

A resposta é positiva, a teor do Art. 302, inciso IV, do CPP:

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:
       
        IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.


A posse da arma e dos ingressos permitem a presunção de que Mévio praticou o delito anterior e, portanto, cabível a prisão em flagrante tanto tempo após.

A doutrina, com concordância da jurisprudência, classifica tal modalidade de prisão em flagrante como FICTO ou PRESUMIDO.

Quanto à elasticidade do tempo, colhemos do STJ:

[...] A doutrina e a jurisprudência vêm concedendo uma interpretação mais elástica à expressão "logo depois" contida no inciso IV, do artigo 302, da Lei Instrumental Penal, mais até do que a prevista no inciso anterior ("logo após"). STJ – HC 34168
 
Abraço a todos,
 
 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A confissão ficta no Processo Penal.

Imagine o seguinte relato:

a) Mévio é denunciado por crime de furto;
b) Quando da audiência de instrução e julgamento nenhuma testemunha compareceu, sendo que o paradeiro destas é desconhecido;
c) Interrogado, Mévio utiliza o direito de permanecer em silêncio;
d) O representante do Ministério Público requer a condenação ante a prova produzida na fase do inquérito policial, o Defensor a absolvição e o Magistrado condenado o réu sob o seguinte argumento: "Acaso o réu fosse inocente, teria apresentado sua versão dos fatos, como não o fez, entendo como autor do crime denunciado."

No caso apresentado o magistrado estaria considerando em sua decisão a chamada "Confissão Ficta", que dita que a não contestação equivale à confissão. Não contestou, logo são verdadeiros os fatos.

Até o ano de 2003, o magistrado encontraria amparo legal para decisões como esta, contudo, a partir da modificação do art. 186, do CPP, ocorrida em 1º de dezembro de 2003, o reconhecimento do silêncio em prejuízo ao réu, deixou de ser reconhecido legalmente e o que é uma  realidade no Direito Trabalhista ou Civil, tornou-se inaceitável no Processo Penal.

Logo, a decisão acima exposta é merecedora de revisão. De igual forma, incabível a condenação de Mévio sob o argumento da existência de prova amealhada no IP, conforme requerido pelo Ministério Público, eis que, o que já vinha se consolidando na jurisprudência pátria, acabou por tornar-se lei, ou seja, que é incabível a condenação tão somente com base nos elementos colhidos no Inquérito (Art. 155, do CPP).

Desta Mévio deve escapar.

Abraço a todos,

terça-feira, 22 de outubro de 2013

É possível difamar a pessoa jurídica que produz a Coca-Cola?

Recebi via facebook a foto de um gato muuuuuuito gordo deitado de barriga para cima sobre o qual colocaram uma balão de gibi escrito: "Pô, me enganaram, bebi todas as coca-colas e não tinha nenhum rato!"

A brincadeira saiu de notícias que divulgaram a ocorrência de pelos e uma cabeça de rato dentro de um envase de Coca-Cola. Se o fato é verdadeiro ou não, desconheço, contudo já tratamos da possibilidade do crime de difamação e injúria contra pessoa jurídica em data anterior. Lá vai:

VALE A PENA VER DE NOVO

Pessoa jurídica vítima de difamação e injúria. É possível?
Nesta tarde recebi vista de ação penal privada promovida por pessoa jurídica contra três querelados. A inicial imputa os crimes de difamação e injúria.

Nos questionamos então: a pessoa jurídica pode ser vítima de difamação e injúria?

Segue parte do parecer exarado na ação penal e que responde a nosso questionamento:

“Inicialmente, vale ressaltar que nos crimes contra a honra, a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo somente de difamação, não, porém, de injúria.

Ora, a pessoa jurídica não possui honra subjetiva, que se traduz no sentimento da própria honorabilidade, elemento caracterizador do crime de injúria. Possuí, contudo, boa ou má reputação, motivo pelo qual pode ser ofendida e difamada.

Vejamos a seguinte decisão proferida pela 2ª Turma do STF, em que foi relator o Ministro Francisco Rezek:
 
A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de difamação; não porém, de injúria ou calúnia.' "E assim o é apenas porque, à pessoa jurídica, não se pode negar reputação e boa fama, que não constituem atributos da honra subjetiva - como na injúria - ; mas sim da honra objetiva. Assim, ninguém poderá pleitear que a pessoa jurídica seja sujeito passivo de injúria ou calúnia. E é assim porque o sentimento de dignidade ou decoro só é concebível numa pessoa física. Mas, na sua reputação, repetimos, a pessoa jurídica pode ser atingida; tanto que essa lesão reflete em seu patrimônio. "Este posicionamento jurisprudencial, além da chancela do eminente e erudito Ministro Rezek, conta com os dos eminentes Ministros: Djaci Falcão, Moreira Alves e Aldair Passarinho" (RTJ-113/90, vol. 113, julho de 1985).

No mesmo sentido RHC 83091, Pet 2491 AgR, Inq. 800, todos do STF.”

Da mesma forma, os doutrinadores modernos (Capez e Damásio por exemplo) admitem o crime de difamação contra pessoa jurídica.

Nosso parecer concluiu pelo seguimento da ação penal, tão somente, quanto ao crime de difamação.

Guardemos então, para fins de concurso e prática,  a informação de que a pessoa jurídica não é vítima do crime de injúria, o sendo, contudo, do crime de difamação.

NA CONTRA MÃO: Para os doutrinadores Hungria e Fragoso a pessoa jurídica sequer pode ser vítima de difamação. Também há decisões do STF, anteriores a 1984, no sentido de que apenas pessoas físicas poderiam sofrer crimes contra a honra. Tais precedentes e doutrinadores nos servem como conhecimento histórico, contudo não aconselho a adoção de tal entendimento em qualquer concurso.

Abraço a todos,

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Reconhecimento fotográfico como meio de prova.

Algumas vezes na carreira de Promotor de Justiça, recebi inquéritos policiais cuja autoria foi descoberta a partir de reconhecimento fotográfico. Pois bem, dente os artigos 155 a 250, Título do CPP destinado à PROVA, em nenhum momento encontramos arrolado o reconhecimento fotográfico.

Então, em ao menos um dos processos que atuei, o defensor requereu a nulidade do reconhecimento, eis que desprovido de previsão legal, e realizado de forma distinta da previsão do CPP para o reconhecimento de pessoas (art. 226).

Razão assiste ao defensor?

A resposta é negativa. O rol apresentado no CPP (perícia, interrogatório, testemunhas, reconhecimento pessoal, documentos, acareação, busca e apreensão)  não é exaustivo, sendo cabível outros meios de prova em face do princípio da liberdade probatória.

Do STF:

HC 73951 / SP - SÃO PAULO
[...] Validade do reconhecimento fotográfico, mormente na impossibilidade da recognição direta. Existência também de prova circunstancial. "Habeas corpus" conhecido em parte, e nela indeferido. [...] HC 73951

Do STJ:

[...] É possível o reconhecimento fotográfico servir como meio idôneo de prova quando corroborado por outros elementos probatórios. [...] AgRg no AREsp 337115 - 06/08/2013

Abraço a todos,

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Dos fatos que não necessitam de prova. Último capítulo.

Hoje é o dia do último capítulo da novela "Dos fatos que não necessitam de prova" (sim o nome é horrível para uma novela, mas pode te ajudar no concurso, o que duvido que alguma novela o faça).

Até então vimos que não necessitam de prova:

1) Os fatos intuitivos ou axiomáticos;
2) Os fatos notórios;
3) As presunções legais;
4) Os fatos inúteis ou desnecessários;

Encerramos hoje com os últimos fatos que dispensam provas, ou não exatamente fatos, eis que dispensa prova O DIREITO.

Não precisa o autor da ação penal ou o réu em ação penal, fazer prova do Direito, dos dispositivos legais por si invocados.

Contudo, deverá ser provado o direito quando for invocada legislação municipal, estadual ou alienígena (leis estrangeiras e não leis marcianas).

Encerramos assim nossa lista de fatos que dispensam prova:

1) Os fatos intuitivos ou axiomáticos;
2) Os fatos notórios;
3) As presunções legais;
4) Os fatos inúteis ou desnecessários;
5) O direito (salvo legislação municipal, estadual ou estrangeira).

Todos os demais fatos deverão ser provados.

Abraço a todos e o desejo de um excelente fim de semana.

Milani Bento

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Fatos que dispensam provas. Parte IV.

Nas publicações anteriores verificamos que não necessitam de provas:

a) Os fatos intuitivos ou axiomáticos;
b) Os fatos notórios;
c) As presunções legais.

Hoje, informamos que não necessitam de prova os FATOS INÚTEIS, - ou desnecessários: são aqueles que não guardam correlação com os fatos apurados na ação penal.

Cada ação penal possuí um vínculo com fatos que necessitam ser provados, são aqueles que dizem respeito ao crime, suas circunstâncias e aspectos outros que digam respeito à aplicação da pena base, causas de aumento ou diminuição de pena e outros fatores que vão alterar a decisão judicial no que toca à absolvição ou condenação ou tão somente quanto à quanto de pena será aplicada.

Da mesma forma, vinculado à cada ação penal há fatos que são inúteis como parâmetro de aplicação de pena ou decisão quanto ao mérito. A exemplificação torna-se difícil a partir do momento que fatos inúteis para alguns processos possam ter relevância a outros, bastando ao concurso saber que os fatos inúteis não precisam ser provados.

O magistrado poderá indeferir a produção de provas sobre fatos inúteis, conforme se extrai do § 1°, do art. 400, do CPP. Também segundo o STF:


[...] Ação Penal. Prova. Pedido de diligências. Oitiva de testemunha. Indeferimento fundamentado. Diligência irrelevante. Pedido de caráter evidentemente protelatório. Nulidade. Inocorrência. Precedentes. Não se caracteriza cerceamento de defesa no indeferimento de prova irrelevante ou desnecessária. [...] (STF – RHC 83987 – 02.02.2010).


Abraço a todos,

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Dos fatos que dispensam provas. Parte III.

Em duas publicações anteriores verificamos que os fatos axiomáticos e os fatos notórios não precisam ser provados no processo penal.

Também não necessitam de prova as PRESUNÇÕES LEGAIS - são as conclusões decorrentes da lei. 

Ou seja, não é necessária a prova de que os menores de 18 anos não possuem a capacidade plena da compreensão dos atos e das consequências destes mesmos atos ou a conclusão contrário quanto aos maiores. A lei presume tais situações e a prova faz-se desnecessária.

Na mesma seara firmou-se o entendimento do STJ quanto ao artigo 244-B*, do ECA, ao interpretar uma presunção legal no texto narrativo da conduta criminosa. Para o STJ basta que o agente tenha praticado o crime na companhia de menor que 18 anos, sendo desnecessária a prova de que, com esta ação, o agente corrompeu o menor, sendo a corrupção uma presunção da própria lei.


Temos então, até a presente publicação:

No processo penal não necessitam de prova:

a) Os fatos intuitivos ou axiomáticos;
b) Os fatos notórios;
c) As presunções legais.

Abraço a todos,




* Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzi-lo a praticá-la.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Fatos que dispensam prova. Parte II.

Estamos publicando sobre fatos que dispensam prova no processo penal. Ontem expomos sobre os fatos intuitivos ou axiomáticos, ou seja, aqueles fatos que são evidentes como a falsidade de uma nota de três reais.

Na presente data alertamos que não precisam ser provados os FATOS NOTÓRIOS.

Fato notório é a verdade sabida, o seu conhecimento faz parte da cultura.

Logo, não é necessária prova de que 25 de dezembro é dia de Natal,  tampouco que o ano se inicia em 01 de janeiro, ou que uma criança de seis meses não sabe ler, etc.

Contudo, não devem ser confundidos, fatos notórios com aqueles que ganharam ampla divulgação jornalística. Logo, não é fato notório o goleiro Bruno ter ordenado a morte de Eliza, ou que Lampião morreu em luta com a polícia. Nestes casos a prova é necessária.

Abraço a todos,



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Onde a prova, em processo penal, faz-se desnecessária. Parte I.

Os fatos alegados pelas partes devem ser provados, correto? Em parte.

Pergunto: É necessário prova de que 25 de dezembro é natal? Ou que o ano começa em 01 de janeiro, ou ainda que fogo queima, água molha e arma atira?  Necessária é a prova da morte, com o aguardo de seis horas para a realização de perícia na vítima decapitada (art. 162, do CPP)? Ou ainda a perícia sobre uma nota de R$ 3,00 (três reais)?

Pelas perguntas formuladas, e outras tantas poderiam ser feitas, o leitor pode verificar que nem todos os fatos necessitam de prova. A partir da presente publicação falaremos de alguns, dando início com os FATOS INTUITIVOS ou AXIOMÁTICOS.

São fatos intuitivos ou axiomáticos aqueles evidentes, sobre os quais não pesam quaisquer dúvidas e são esclarecidos pelo evento em si.

Em tal modalidade poderíamos arrolar a nota de três reais ou a prova da morte da vítima decapitada.

Importa-nos então saber que os fatos intuitivos ou axiomáticos não precisam ser provados, podendo o magistrado indeferir pedido de produção de provas que vise tais modalidades de fatos.

Abraço a todos,

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O Juiz e a contradita.

Esta vai em clima de sexta-feira:

Em uma das comarcas na qual atuei como estagiário de advocacia, certa feita, verifiquei a seguinte situação:

Juiz novo, recém empossado (cujo nome me permito ocultar) deu início à audiência de oitiva de testemunhas de acusação (antigamente tinha disto) sendo que, quando ao primeira testemunha sentou e identificou-se o advogado de defesa pediu a palavra e assim se manifestou: Excelência, quero contraditar a testemunha em face de sua inimizade com o réu!

Ante a manifestação o recém empossado Juiz, um tanto quanto perdido (na verdade completamente perdido) olhou para um lado, para outro, e diante do silêncio de todos voltou a olhar para o defensor e falou: Pois contradite!

Agora há duas situações, ou o leitor está sorrindo porque sabe como acontece a contradita, ou não está, porque desconhece o procedimento.

Aos que não conhecem (mesmo porque se trata de procedimento pouco visto na lide do dia a dia forense) lá vai:

Segundo a previsão do art. 214, do CPP, a parte que assim o desejar poderá contraditar a testemunha, devendo apresentar, se houver, as provas de suas argumentações que visem impedir o depoimento ou ainda que seja tomado na condição de informante e não de testemunha compromissada.

Por sua vez, o magistrado deverá ouvir a testemunha a respeito do alegado impedimento ou suspeição e então excluir a testemunha, não deferir compromisso, ou então ouvi-la devidamente compromissada, incluindo no termo de audiência todos estes procedimentos, arguições e decisão final quanto à contradita.

Agora, sabido o procedimento, poderá o leitor, quando juiz de direito, tomar as medidas adequadas.

Abraço a todos,





quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Princípios da Jurisdição - Indeclinabilidade.

Vale a pena ver de novo:


Interessante caso apresentou-se no Poder Judiciário do Paraná:

1) “A” estava grávida, mas apresentava quadro de doença cardíaca grave, sendo que a continuidade da gestação levaria à morte a mãe e feto.

2) Os médicos recusaram-se à realização do aborto sem uma autorização judicial.

3) “A” solicitou ao Juiz de Direito da Comarca que concedesse alvará judicial autorizando o procedimento de aborto.

4) O Juiz de Direito negou o pedido sob o argumento da ausência de interesse de agir.

5) O Ministério Público apelou ao TJPR que entendeu adequada, em parte, a sentença, contudo, concedeu o alvará requerido.

Juridicamente:

No caso, o aborto é possível ante a previsão do artigo 128, § 1º, do CP (aborto necessário ou terapêutico):

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: 

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

A lei penal apresenta uma excludente de ilicitude, sendo que o médico (e apenas médico)  que interromper gravidez mediante aborto em função do risco de vida da mãe, não estará praticando qualquer delito.

E a conclusão lógica é que se faz desnecessário qualquer alvará judicial ou decisão do Poder Judiciário para autorizar a prática já permitida legalmente e que não se constitui crime e, neste ponto, adequada a decisão de primeiro grau. Lembremos que como fundamento a decisão utilizou-se de uma das condições da ação, no caso, o interesse de agir (as outras duas seriam a legitimidade da parte e a possibilidade jurídica do pedido).

Contudo, entendemos melhor o recurso do MP e a decisão do TJPR, eis que, o magistrado recorrido passou ao largo de um dos princípios da jurisdição, qual seja o da indeclinabilidade da prestação jurisdicional que está positivado no inciso XXXV, do art. 5º, da CF, senão vejamos:

“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional informa que não é dado ao órgão do Poder Judiciário, abster-se da decisão a si posta.

No caso posto ao início do nosso escrito, o interesse de agir decorria do fato de que os profissionais negavam-se ao procedimento, embora a lei os autorizasse, logo, muito embora a decisão de 1º grau fosse adequada quanto à desnecessidade de alvará, não atentou ao princípio de que, ante a negativa do corpo médico, não poderia o Judiciário abster-se de apresentar solução positiva ou negativa.

O TJPR reformou a decisão de primeiro grau concedendo a autorização do aborto exatamente sob o argumento do princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional.

Até a próxima publicação,

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Absorção do falso pelo estelionato.

Em sala de aula temos proposto o seguinte problema:

Em julho de 2013, Mévio se utilizou de uma Carteira de Identidade encontrada na rua, em nome de Mario Silva Lobo, na qual fez inserir a própria fotografia. Após, ainda no mês de julho, Lipídio simulou uma folha de pagamento da empresa Brasilfoods, onde fez constar que recebia  R$ 1.500,00, além dos dados de Mario Silva Lobo. Com tais documentos, em 28 de julho de 2013,  se dirigiu até uma revendedora de motos Honda, de nome “Sandoval’s Moto”, situada na Rua dos Alegretes, bairro Vila Nova, na cidade de Chapecó, onde foi atendido pelo funcionário José Marcolino e parcelou o pagamento, em nome de Mario Silva Lobo, uma CG Titan 125, no valor de R$ 5.000,00, sem entrada, em 36 vezes. Lipídio deixou no local a folha de pagamento, mas manteve consigo a carteira de identidade, a qual foi apreendida, em seu poder, três anos após, quando de sua prisão.

Pergunta-se, quais os delitos e competência:

Há evidente conexão entre os fatos, pelo que o processo será único (Art. 76, II, do CPP), a ser processado pela Justiça Federal (tema de blog anterior) por força do art. 19 c/c o art. 26, ambos da Lei 7492/86.

Vista a competência, vamos aos delitos:

Deverá Mévio ser denunciado pelo crime de falsificação de documento público (Art. 297, do CP) eis que alterou documento público verdadeiro, bem como pelo crime de fraude contra instituição financeira, com previsão no art. 19, da Lei 7492/86.

E o falso do documento particular?

A este, o leitor aplicará a súmula 17, do STJ, que assim prescreve:

"Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido".

A palavra chave da súmula é o "exaure", ou seja: acaba, não gera mais efeitos, the end, etc.

No caso proposto o exaurimento deu-se quanto à folha de pagamento falsa, mas não quanto à carteira de identidade.

Abraço a todos,

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Incêndio ou dano?

Ontem em sala de aula apresentamos uma manchete do periódico Diarinho do Litoral (jornal singular com sede na cidade de Itajaí/SC), que assim mais ou menos estava escrita:

"QUEIMARAM A MOTOCA DO TRABALHADOR".

Como a aula era de Prática Penal passamos à indagação: Qual o fato típico?

Foram apresentados dano e incêndio.

O fato é que a manchete em si não permite a definição exata de qual o crime praticado, podendo ser aqueles que a turma bem lembrou, dano qualificado pelo uso de inflamável (Art. 163, parágrafo único, inciso I, do CP) e incêndio (Art. 250, do CP).

E a impossibilidade da definição exata do crime dá-se pelo não esclarecimento se o fogo atingiu apenas o próprio bem visado ou gerou perigo de dano a outro patrimônio ou à integridade física de terceiro, sendo que, na primeira hipótese há o dano simplesmente e na segunda hipótese o incêndio.

Da doutrina colhemos:

“Hungria define como a ‘voluntária  causação de fogo relevante que, investindo uma coisa individuada, subsiste por si mesmo e pode propagar-se, expondo a perigo coisas outras ou pessoas não determinadas ou indetermináveis de antemão’
(…)
A ação física incriminada é causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física, ou patrimônio de outrem.
Não basta o incêndio, para que se venha a incriminar a conduta. É necessário que se esta exponha a perigo a vida ou a integridade física alheia..
(…)
Incêndio, portanto, não é qualquer fogo, mas somente o fogo perigoso, como ensinava Carrara. Ou melhor: deve tratar-se de perigo comum e concreto, jamais presumido. Incendiar uma casa em ruínas, desabitada e isolada poderá caracterizar o crime de dano” Paulo José da Costa Jr. in Comentários ao Código Penal. 4. ed. reform. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 809/810.
 
E do STJ (HC 169221)

HABEAS CORPUS. CRIME DE INCÊNDIO. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE DANO QUALIFICADO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. EXAME DE PROVAS. WRIT NÃO CONHECIDO. [...] 2. Além disso, as instâncias ordinárias consideraram comprovada a situação de perigo comum, com suporte no exame pericial realizado, de modo a não restar dúvida quanto à caracterização do delito de incêndio. 3. Habeas corpus não conhecido.

Logo, embora semelhantes, o crime de dano qualificado por substância inflamável diferencia-se do crime de incêndio em face do perigo causado pelo evento.

Assim podemos concluir que o crime de incêndio é um crime material (exige um resultado), mas, simultaneamente, de perigo (mera conduta).

Abraço a todos,



 
 


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Os juízes convocados e a ofensa ao princípio do Juiz Natural.

Vale a pena ver de novo:


Do Estado de São Paulo extraímos o seguinte caso:

1) “A”, funcionário da empresa “X”, dentre outras funções, efetuava a venda de produtos a público externo e eventualmente realizava cobrança de valores.
 
2) Também eventualmente, “A” não repassava os valores por si cobrados, ficando com o dinheiro para si em prejuízo da empresa “X”, o que perdurou por três meses.

3) Descobertos e investigados os fatos em inquérito policial, “A” foi denunciado e posteriormente condenado pelo crime de Apropriação Indébita com causa de aumento em virtude do emprego ocupado, em continuidade delitiva.  (Art. 168, inciso III, c/c art. 71, do CP).

4) “A”, por seu defensor, interpôs recurso de apelação que foi conhecido e improvido pelo TJSP. Da sessão de julgamento participou um único juiz de segundo grau enquanto os demais julgadores eram juízes de primeiro grau convocados para substituir os titulares de segundo grau que por razão de afastamentos não estavam, temporariamente, compondo a câmara criminal.

5) “A” ingressou com Habeas Corpus perante o STJ e em face da não concessão da ordem, apresentou recurso (da decisão do HC) junto ao STF, sob o argumento de que houve ofensa ao princípio do Juiz Natural eis que a “expressiva maioria” dos julgadores era composta de juízes de primeiro grau convocados e não de juízes de segundo grau a quem caberia, de fato e direito, o julgamento.

Razão assiste ao recorrente?

O princípio do Juiz Natural é um dos princípios de jurisdição e é expresso na Constituição Federal em dois incisos do art. 5º, quer em seu inciso LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente), quer no inciso XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção).

A pergunta a ser feita é: a convocação de juízes de primeiro grau ofendeu ao princípio do juiz natural? No caso, agravada pelo fato de que a maioria dos julgadores era convocada, ou seja, a sessão foi composta com maioria de juízes de primeiro grau que excepcionalmente estavam ocupando as funções de juízes de segundo grau.

Podemos ampliar a questão e com isto incluir questões comuns em concurso público eis que a mesma pergunta poderia ser feita para a ofensa (ou não) ao princípio do Juiz Natural em  qualquer julgamento proferido por juiz que não aquele titular e ocupante regular da função, muito comum em casos de férias, licenças etc., nos quais o juiz que profere o julgamento está apenas substituindo o titular.

De regra a resposta será negativa, não há ofensa ao princípio do Juiz Natural em caso de substituição de juízes para cobrir vacâncias esporádicas.

Perguntará então o leitor: "de regra a resposta será negativa", o que quer dizer que por vezes será positiva, quando?

Nos parece que uma forma válida de identificação quanto à ofensa ao princípio do Juiz natural pode dar-se com a verificação da obediência, ou não, das regras anteriormente expressas no sistema normativo, ou seja, se a substituição de julgadores deu-se de acordo com a regras previamente estabelecidas. Caso positivo não haverá ofensa, caso negativo, haverá ofensa.
 
No caso prático que deu início à nossa conversa, como em São Paulo as substituições dos juízes de segundo grau deram-se conforme lei estadual, o STF assim se manifestou:

Ementa: PENAL E CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA (ART. 168, § 1º, III, C/C ART. 71, DO CP). APELAÇÃO JULGADA POR COLEGIADO FORMADO MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES CONVOCADOS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. 1. O julgamento por Colegiado integrado, em sua maioria, por magistrados de primeiro grau convocados não viola o princípio do juiz natural nem o duplo grau de jurisdição. [...]   

Abraço a todos,

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Mendigo como pré requisito de delito.

Curioso fato típico pode ser encontrado em nossa Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3688/41), vejamos:

Art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima.

Tal dispositivo claramente aponta para um Direito Penal voltado para o autor e não para os fatos, eis que o crime apenas caracterizar-se-ia se praticado por mendigos, vadios ou com quem registrasse antecedentes.

A questão foi levada ao STF, que no julgamento do Recurso Extraordinário 583523, que teve repercussão geral reconhecida, declarou que referido dispositivo contravencional não foi recepcionado pela atual Constituição, considerando-o, portanto, inconstitucional.

Abraço a todos e o desejo de um excelente final de semana.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Prescrição futurológica.


Nobres leitores, ontem foi dia de Júri e não houve tempo para a postagem. Aproveitemos então algo do Júri para a postagem de hoje.

Na abertura dos trabalhos o Defensor pediu a extinção de punibilidade do réu por um dos crimes denunciados, qual seja, tentativa de aborto sem o consentimento da gestante (Art. 125, caput, c/c o art. 14, II, do CP), argumentando a ocorrência da prescrição.

Alegou que o réu não possuía antecedentes em tempo anterior ao fato e que não há circunstâncias desfavoráveis que autorizem uma aplicação de pena acima do mínimo legal.

Logo, concluiu que a pena a ser aplicada, em caso de condenação, não seria maior que dois anos  mesmo que reduzida no mínimo em face da tentativa. Alegou, por fim, que o lapso temporal entre o recebimento da denúncia e a publicação da pronúncia foi de 04 anos e 02 dias.

O leitor pode então perceber que o advogado requereu o reconhecimento da prescrição em face da pena a ser aplicada, ou seja, da pena em perspectiva, hipotética ou ainda futurológica.

Tal modalidade de prescrição não encontra amparo legal e sua fundamentação dá-se em virtude de um dos pressupostos processuais, no caso, o interesse de agir, sem o qual a ação penal não deverá subsistir.

Contudo, muito embora possível a argumentação quanto à sua existência, os tribunais tem rejeitado, em sua maioria, o reconhecimento de tal modalidade de prescrição. Tal matéria inclusive, é objeto da súmula 438, do STJ:

“É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.  
Logo, caro leitor, para fins de concurso, não há que ser reconhecida a prescrição sob fundamento da pena hipotética.

Abraço a todos,

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Denúncia é peça privativa do Ministério Público.

VALE A PENA VER DE NOVO:

Na Comarca de Joinville/SC, ainda como promotor de justiça substituto, deparei-me com os seguintes fatos:

a) “A”, mediante advogado, ingressou no juízo criminal com uma DENÚNCIA contra “B”.
b) “A” é irmão de “B” e a denúncia apresentada narrava o furto de um veículo.
c) Na petição, “A” argumentava ter ingressado com a denúncia ante a demora da autoridade policial na conclusão do inquérito.
d) Ao final da denúncia apresentada, “A” requereu a “pronúncia” do querelado por infração ao artigo 155, do Código Penal.
e) Vieram-me os autos com vista.

Juridicamente o que temos:

1) Algumas impropriedades no requerimento, eis que a pronúncia dar-se-á tão somente em processos que visam o julgamento pelo Tribunal do Júri, o que definitivamente não era o caso.

2) O crime deveria ser apurado mediante ação pública condicionada, por força do artigo 182, inciso II, do CP, eis que, embora crime de furto, este foi pratica contra irmão.

3) Outra circunstância que nos chamou a atenção foi o título apresentado, qual seja, DENÚNCIA, vejamos: a Constituição, em seu artigo 129, inciso I, atribuiu ao Ministério Público, privativamente, a ação penal publica (aplicável aos fatos), sendo a denúncia o instrumento a ser utilizado para a propositura da ação (art. 24, do CPP), logo, incabível ao particular a propositura de denúncia.

Doutrinariamente enquadraríamos a apresentação de denúncia por particular como um desrespeito ao princípio da oficialidade, inerente à ação penal pública. 

Ao discorrer sobre referido princípio MOUGENOT (in Código de Processo Penal Anotado) informa que: “A prerrogativa do órgão do Parquet vem consubstanciada nos ditames da Constituição Federal, que estabelece como uma das funções institucionais do Ministério Público promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei (art. 129, I), ação essa que será exercida por meio de denúncia”.

4) E a ação penal privada subsidiária? 

Com previsão no artigo 5°, LIX, da CF e no artigo 29, do CPP, em caso de inércia do Ministério Público (assunto para outra blogada) poderá ser proposta a ação privada subsidiária da pública. Contudo, dos fatos apresentados observamos que em nenhum momento houve inércia do MP, sendo que não há que se confundir a demora na conclusão do inquérito policial com o excesso de prazo no oferecimento da denúncia.

Nosso parecer foi pelo recebimento da peça apresentada como se representação fosse, bem como pela remessa de ofício ao delegado de polícia para fins de remessa dos autos de inquérito policial ao fórum para fins de análise.
 
Abraço a todos,