quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Prova da fase policial e pronúncia.

Na presente data fui cientificado de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina ante os seguintes fatos:

1) Mévio foi pronunciado por homicídio qualificado na sua forma tentada.

2) Mévio interpôs recurso em sentido estrito alegando a falta de provas na fase judicial e requerendo sua impronúncia.

3) O TJSC acolheu as razões de mérito exarando o seguinte acórdão:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA AVIDA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO (ART. 121, § 2.º, INCS. I E IV, C/C ART. 14, INC. II, DO CP). INSURGÊNCIA DEFENSIVA PRETENDENDO A IMPRONÚNCIA. VIABILIDADE. MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADA. AUSÊNCIA, TODAVIA, DE ELEMENTOS COLHIDOS SOB O MANTO DO CONTRADITÓRIO INDICANDO SER O RECORRENTE O AUTOR DO DELITO.
[...] se aos magistrados é vedado lastrear uma condenação criminal exclusivamente em elementos de prova que não tenham obedecido aos princípios e às garantias processuais constitucionais (que podem ser reunidos sob a denominação genérica de devido processo legal, consubstanciado basicamente no contraditório e na ampla defesa), da mesma forma não poderá o Tribunal do Júri, basear-se exclusivamente neste tipo de elemento para condenar. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO.

4) O MPSC, por sua Coordenadoria de Recursos Criminais interpôs Recurso Especial, visando restituir a pronúncia de Mévio, eis que cabe ao Tribunal do Júri a competência para análise das provas.

O recurso nos parece adequado, sendo que escolhemos pequenos trechos para compartilhamento:

A Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou vigência ao disposto nos artigos 74, § 1º, e 155 do Código de Processo Penal, ao impronunciar o recorrido por entender que “não existe elemento judicializado a amparar a versão narrada na denúncia no sentido de que João Antônio de Souza é o autor do crime” (fls. 163).

No entanto, determina o Código de Processo Penal, no seu artigo 74, § 1º, que “Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados”.

Com efeito, a competência do Tribunal do Júri, além de prevista em lei federal, recebeu da CF a segurança de serem os julgamentos proferidos por essa Corte Popular considerados soberanos, isto é, em regra, não pode o Poder Judiciário interferir na convicção dos Juízes leigos.

Ademais, é pacífica na Suprema Corte que o Tribunal de Justiça deve ater-se ao juízo de verificação da correta subsunção dos fatos à norma incriminadora – questão puramente de direito (HC n. 80.491/RS, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 07/12/2000) –, vedando-se proceder, de modo minucioso, à análise e à valoração da prova.

Seguindo a mesma linha, o STJ entende que a violação manifesta do judicium accusationis, em caso de impronúncia ou despronúncia, por ser decisão terminativa, caracteriza violação dos artigos 74, § 1º, e 408 do Código de Processo Penal (REsp 240.403/PA, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 15/04/2003, DJ 19/05/2003, p. 260).

[...]

Com isso, a Corte Catarinense, ao excluir a apreciação dos fatos pelo Conselho de Sentença a partir do exame e da análise do mérito da prova, promoveu prematuro juízo da conduta do recorrido, subtraindo-o da cognição do Tribunal do Júri e reduzindo a amplitude do julgamento do Tribunal popular.

Nesse sentido, colhe-se da doutrina, segundo Fernando da Costa Tourinho Filho:

Na pronúncia, o Juiz cinge-se e restringe-se em demonstrar a materialidade e autoria. Só. Esse o papel da pronúncia, semelhante ao procedimento do grande Júri que havia no Direito inglês: reconhecer a existência do crime, seja a parte objecti, seja a parte subjecti. O que passar daí é extravagância injustificada e incompreensível. Mesmo que o Juiz fique na dúvida quanto à pronúncia, a jurisprudência entende deva ela proferi-la, porquanto não exige ela juízo de certeza. A pronúncia encera, isto sim, juízo fundado de suspeita. Daí porque, na dúvida, deve o Juiz pronunciar. (in Código de Processo Penal Comentado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pág. 27).
 
[...]”


Poderíamos então perguntar: mas e o disposto no art. 155, do CPP? (se não sabe o que diz não tente adivinhar, abra o código!)

O recurso tratou do referido dispositivo da seguinte forma:

                           [...] Se não bastasse isso, o argumento de ausência de provas colhidas sob o crivo do contraditório não é suficiente para possibilitar a impronúncia do Recorrido, quando presentes a comprovação da materialidade e indícios mínimos de autoria, ainda que baseados nas provas colhidas no inquérito policial.

Isto porque, na fase de pronúncia do acusado não há exigência de certeza a respeito do crime, bastando que esteja comprovada a materialidade e indícios mínimos de autoria, como no caso em tela em que tais requisitos foram satisfeitos.

E ainda, a sentença de pronúncia, que é meramente declaratória, pode ser fundamentada nas provas colhidas na fase inquisitorial, uma vez que essas podem ser reproduzidas em plenário, sob a proteção, então, das garantias processuais. Por essa razão, não incide sobre a pronúncia as limitações do artigo 155 do Código de Processo Penal, o qual exige que a condenação seja baseada em provas obtidas sob o manto da ampla defesa e do contraditório.

Nesse sentido, vem decidindo a Corte Superior de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. PRONÚNCIA. PROVA COLHIDA DA FASE POLICIAL. VALIDADE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. REEXAME DE PROVA.

1. Se o Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa, concluiu, ainda que admitida a pronúncia com base na prova colhida na fase policial, que não há indícios de autoria suficientes para ensejar a prolação de decisão de pronúncia, o acolhimento da pretensão, tal como posta no recurso especial, fundada na alegação de serem os indícios de autoria colhidos na fase policial válidos e suficientes para a submissão do recorrido a julgamento pelo Tribunal do Júri, implicaria no reexame do conjunto probatório dos autos, o que é vedado nas instâncias excepcionais (Enunciado nº 7/STJ).

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1188374/RO, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 28/05/2013)
 
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE.

1. O juízo de pronúncia limita-se à admissibilidade do fato delituoso, sem manifesta procedência da pretensão punitiva, cuja competência constitucional é conferida ao Tribunal do Júri.

2. Diante disso, é possível a pronúncia ser fundamentada em provas colhidas na fase inquisitorial.

3. Ordem denegada.

(HC 113.754/SP, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 03/02/2012) [...]

RESUMÃO:

O processo listado como caso prático provocou debate sobre a possibilidade, ou não, da pronúncia lastreada em prova colhida tão somente na fase indiciária (inquérito policial).

O Magistrado pronunciou o réu, enquanto do Tribunal de Justiça o impronunciou, sob o argumento de que aplicável, também quanto à sentença de pronúncia, o artigo 155, do CPP.

A Coordenadoria de Recursos do Ministério Público interpôs recurso especial sob o argumento de que inaplicável o art. 155, do CPP quando da sentença de pronúncia, sob os argumentos de que: a) a competência para análise da prova (sejas quais forem) é do Tribunal do Júri; b) a prova poderá ser produzida em plenário sob o crivo do contraditório.

Por hoje é só.

Nenhum comentário:

Postar um comentário