quarta-feira, 26 de março de 2014

Invasão a terreno sub judice - há crime de violação de domicílio?

Na presente data recebemos processo dando conta da seguinte situação:

a) Mévio apresentou notícia crime contra Tício informando que este invadira um terreno de sua propriedade, portanto teria cometido o crime de Violação de Domicílio.

b) Tício esclareceu que o terreno está sob litígio judicial e que pertence a si e não a Mévio.

Pergunta-se, há ou não o crime de violação de domicílio?

Eis o parecer conforme lançado nos autos (autoria da Natália Pereira - assistente da Promotoria):


a) Do crime de violação de domicílio

 
Mévio alega que Tício (sim, trocamos os nomes para a presente postagem) invadiu terreno de sua propriedade, violando, então, o art. 150 do CP, o qual dispõe: "entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.".

À primeira vista poderíamos pensar que a violação de domicílio somente se configuraria quando o ingresso ou permanência em casa alheia ou em suas dependências fosse clandestino ou astucioso. Contudo, a entrada ou permanência deverá, ainda, consoante dispõe o referido dispositivo ocorrer contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito.

Nesse sentido, colhe-se dos ensinamentos de Nelson de Hungria: "é ao morador, seja a que título for (proprietário, locatário, arrendatário, possuidor legítimo, usufrutuário, hóspede, etc., que cabe a faculdade de admitir ou excluir o extranei" (Hungria, Nelson. Comentários ao código penal, v. 5, p. 218).

Assim, somente pode recusar o ingresso ou a permanência de alguém na casa ou em suas dependências quem detém o poder legal para tanto, ou seja, aquele a quem a lei aponta a quem de direito.

Ocorre que, in casu,  há discussão judicial acerca do real proprietário do terreno em questão (Ação n. 033.07.028581-3), encontrando-se pendente julgamento de recurso de apelação interposto pela parte autora, conforme consulta realizada ao Sistema de Automação do Judiciário-SAJ.

Portanto, desconhecido o real possuidor/proprietário do imóvel, impossível amoldar às condutas dos noticiados no art. 150 do CP.

Ademais, o bem jurídico protegido pelo mencionado dispositivo é a tranquilidade doméstica, ou seja, não visa proteger a posse ou propriedade, mas sim a liberdade privada e doméstica do individuo, punindo a sua ilegal perturbação, devendo, então, a expressão casa ser considerada como habitada, o que não é o caso dos autos, haja vista se tratar de um terreno sem ocupação.

Vejamos o entendimento jurisprudencial:

A incriminação da violação de domicílio visa à proteção da moradia, e não o direito de propriedade, eis que é interesse do Estado em garantir a liberdade individual, ou seja, o direito de cada um viver livre de qualquer intromissão em sua casa ou lar (TACRIM-SP-AC- Rel. José Habice- RJD 81/168).


A expressão "casa" contida no caput do art. 150 do estatuto penal é a mais ampla possível, abrangendo qualquer compartimento habitável, ainda que em caráter eventual (TACRIM-SP- AC- Rel. Dias Tatit- JUTACRIM 93/273).

 
Assim, verifica-se, no que tange ao delito de violação de domicílio, atipicidade da conduta dos noticiados.


Abraço a todos,


 

Um comentário:

  1. Olá, prático e esclarecedor! Obrigada, entrou para a minha lista de favoritos!

    ResponderExcluir