sexta-feira, 14 de março de 2014

Interrogatório inusitado.

Para relembrar:


Hoje é sexta-feira, então um caso para descontração.

Quando trabalhei na Comarca de Campos Novos-SC, no tempo em que o interrogatório era o primeiro ato processual após o recebimento da denúncia (se o seu CPP ainda prevê desta forma favor comprar um novo), efetuei denúncia contra Tício pelos seguintes fatos:

a) Tício dirigiu-se ao comércio local e adquiriu um belo aparelho de telefone celular para a namorada, pagando com um cheque de terceiro preenchido e assinado no valor de R$ 300,00 (trezentos reais).

b) Tício sabia que o cheque não seria descontado e que não devia valer grande coisa, já que pagou pelo mesmo o valor de R$ 10,00 (dez reais), em suma, tinha plena ciência de que se tratava de produto de crime anterior e o utilizou apenas como meio fraudulento para adquirir o celular.

c) Quando do interrogatório Tício sentou-se, de terno e gravata (era um terno xadrez mas era um terno) perante o magistrado e começou a narrar os fatos da seguinte forma: “Vossa Majestade, eu sabia que o cheque era roubado ...” e continuou confessando o fato, alegou que a menina era bonita e que merecia o celular, etc. E após muitos Vossas Majestades quem sabe buscando uma diminuição da pena, Tício verificou que não conseguiu mudar o sério semblante do magistrado (que apenas estava sério para evitar a quase inevitável risada) e estão Tício saiu-se com esta: “... prometo à Vossa Majestância que não farei mais isto”. Daí, nem o magistrado agüentou, pediu licença e foi rir no gabinete.

Quanto à Tício, no final do processo, foi devidamente condenado pelo estelionato cometido.

Para não ficar só no fato curioso e com a nova proposição para tratamento dos senhores magistrados, lanço a seguinte indagação: As partes ativa e passiva da ação penal participam do interrogatório?

Antes de 2003, a resposta seria negativa, sendo que o interrogatório era ato exclusivo do juiz. Contudo, em consonância com a Constituição Federal, no ano de 2003, a Lei 10792 trouxe algumas alterações ao CPP, dentre estas:

a) a obrigatoriedade da presença do defensor, constituído ou nomeado (Art. 185);

b) as partes poderão fazer perguntas sobre fatos não esclarecidos (Art. 188);

c) o acusado, em qualquer modalidade de interrogatório (o que inclui a videoconferência), terá garantida entrevista prévia e reservada com seu defensor (§ 5°, do Art. 185).

No caso da falta destes elementos, vale-nos a lição do STJ:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DE DEFENSOR NO INTERROGATÓRIO. NULIDADE ABSOLUTA. ATO PRATICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 10.792/03. PRECEDENTE. PARECER DO MPF PELO PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO PROVIDO PARA ANULAR O INTERROGATÓRIO DO RÉU, REALIZADO SEM A PRESENÇA DO DEFENSOR, E TODOS OS ATOS DECISÓRIOS QUE LHE SÃO POSTERIORES, MANTIDA, TODAVIA, A SITUAÇÃO PROCESSUAL DO RECORRENTE.

1. Nos termos de consolidado entendimento nesta Corte Superior, após o advento da Lei 10.792/2003, ainda que o próprio réu tenha dispensado a entrevista prévia, a presença do defensor no interrogatório tornou-se formalidade essencial, corolária do princípio da ampla defesa e do devido processo legal.

2. Recurso provido, em consonância com o parecer ministerial, para anular o interrogatório do réu, realizado sem a presença de seu defensor, e todos os atos decisórios que lhe são posteriores, mantida, todavia, a situação processual do recorrente. (RHC 26.141).

Abraço a todos e o desejo de um feliz e abençoado final de semana,

Nenhum comentário:

Postar um comentário