terça-feira, 15 de abril de 2014

Falsificação de atestado de hospital público - Crime do 297 ou 298?

Esta tarde deparei-me com inquérito policial que narrava os seguintes fatos:

a) Mévio arrumou um emprego e então no segundo mês de serviço, a fim de justificar três dias de falta, falsificou um atestado de um hospital público, no qual inseriu informações falsas, inclusive a assinatura do médico local. Após, Mévio apresentou o documento na empresa em que trabalhava.

Uma conclusão é bastante óbvia: Mévio é irrecuperável.

Mas o que nos importa à postagem de hoje são as seguintes indagações:

a) Qual dos falsos realizou Mévio? Aquele com previsão no artigo 297, do CP (falsificação de documento público) ou o do artigo 298 (falsificação de documento particular) do mesmo CP?

Foi bem quem respondeu que o documento falsificado era particular e este será o falso a ser considerado na análise do inquérito.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt "por documento público entende-se aquele que é elaborado na forma prescrita em lei, por funcionário público, no exercício de suas atribuições, compreendido o documento formal e substancialmente público ..." in Código Penal Comentado, p. 1052.

O atestado médico não encontra respaldo em tal descrição, eis que não se trata de documento formal ou substancialmente público.

b) É possível a absorção do crime de falso pelo de uso, ou vice-versa? Ou seja, a partir do momento em que Mévio falsificou e fez uso do documento, responderá por ambos os crimes (Art. 298 e 304, do CP), ou apenas por um dos delitos.

Há decisões de que ambos os delitos estão presentes, outras em que o crime de uso absorve o de falsidade e outras no sentido de que o crime de uso será absorvido pelo de falsidade. Fiquemos então com a última do STF a respeito do tema:

HC 84533 / MG - MINAS GERAIS
                          

[...] USO POSTERIOR, PERANTE REPARTIÇÃO FEDERAL, PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO, DO DOCUMENTO POR ELE MESMO FALSIFICADO - "POST FACTUM" NÃO PUNÍVEL [...] .- O uso dos papéis falsificados, quando praticado pelo próprio autor da falsificação, configura "post factum" não punível, mero exaurimento do "crimen falsi", respondendo o falsário, em tal hipótese, pelo delito de falsificação de documento público (CP, art. 297) ou, conforme o caso, pelo crime de falsificação de documento particular (CP, art. 298). Doutrina. Precedentes (STF).- [...]

Abraço a todos,

4 comentários:

  1. Boa tarde Professor. O caso relatado na postagem não se enquadraria na previsão do art. 301, §1º, do CP? Já vi algumas decisões judiciais e doutrinadores se posicionando nesse sentido. Grato, Mathias.

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  2. Ótima questão Mathias, de fato a maioria das decisões vai apontar os fatos enquadrando-os no art. 301, § 1°, do CP. Isto se dá pela expressão "qualquer outra vantagem" ao final do texto. Contudo, entendo que não há parágrafo que não tenha por norte (paradigma) de interpretação o caput do artigo e o artigo 301 preocupa-se com a utilidade pública do documento falsificado, o que não ocorre no caso prático apresentado. Nelson Hungria apresenta tal entendimento (embora antigo, o doutrinador ainda é respeitado). Então ficamos assim, há decisões em ambos os sentidos (maioria pelo reconhecimento do § 1, do 301) e doutrina também em ambos os sentidos. Contudo, particularmente, entendo que a preocupação do disposto é com o prejuízo do serviço público (não só financeiro).

    Abraço

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    1. Obrigado pela explicação Professor, abraço. Mathias

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