Em processo de júri do Estado de Santa Catarina, creio que o mais trabalhoso com o qual me deparei dado à complexidade e volume de páginas (mais que seis mil), os senhores jurados responderam quesitos sobre homicídio, ocultação de cadáver, latrocínio e receptação.
Como isto? Vamos, resumidamente, aos fatos:
a) Tício e Caio (sim os nomes são fictícios) contrataram Mévio, pelo valor de R$ 5000,00 (cinco mil reais) para que este matasse Tibúrcio. O objetivo de Tício e Caio não era a morte em si, mas sim a subtração de valores que Tibúrcio possuía em um cofre guardado no estabelecimento comercial que servia à compra e venda de veículos.
b) Mévio cumpriu com o acordo, ato contínuo Tício e Caio subtraíram os valores, bem como alguns veículos, os quais foram vendidos para terceiros, dentre estes Abrenúncio, que saberia da origem ilícita do bem (foi posteriormente absolvido).
Juridicamente:
Latrocínio, receptação e ocultação de cadáver não são matérias para o Tribunal do Júri, eis que não são crimes dolosos contra a vida, estes sim de competência do colegiado leigo, segundo se extrai do art. 5°, inciso XXXVIII, da CF. Portanto, segundo a regra constitucional, apenas o homicídio deveria ser posto a julgamento perante os jurados.
Contudo, o artigo 76, II, do CPP, informa que:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações [...];
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
No caso concreto apresentado o homicídio (segunda morte) foi cometido para ocultar o latrocínio anteriormente praticado, bem como para conseguir a impunidade com relação a este. Da mesma forma, a ocultação de cadáver deu-se para ocultar e garantir a impunidade em relação ao homicídio praticado. A doutrina classifica tal conexão como sendo: OBJETIVA, LÓGICA ou MATERIAL.
Por sua vez, a prova do latrocínio apresentava estreito vínculo com a prova da receptação praticada (nem sempre a receptação é conexa com o crime anterior). A doutrina classifica tal conexão como sendo: INSTRUMENTAL ou PROBATÓRIA.
Logo, houve um link entre os fatos apto ao reconhecimento da conexão, ou seja, união da apuração dos fatos em um único processo. A partir disto, deverá ser determinada a competência. Deverá o Magistrado singular julgar o feito? Ante a presença de três delitos de sua competência, incluindo dentre estes o crime mais grave? Ou do Tribunal do Júri, ante o crime doloso contra a vida?
O artigo 78, I, do CPP expressa que a competência será do Tribunal do Júri, e mesmo que não o fizesse assim o seria, em face da especialidade e previsão constitucional de sua competência.
Por isto, o Tribunal do Júri decidiu sobre receptação, latrocínio e ocultação de cadáver, mesmo que estes não sejam crimes dolosos contra a vida.
Abraço a todos,
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