segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Quando o Júri julgara crime que não doloso contra a vida.

Vale a pena ver de novo:
 
Em processo de júri do Estado de Santa Catarina, creio que o mais trabalhoso com o qual me deparei dado à complexidade e volume de páginas (mais que seis mil), os senhores jurados responderam quesitos sobre homicídio, ocultação de cadáver, latrocínio e receptação.

Como isto? Vamos, resumidamente, aos fatos:
a) Tício e Caio (sim os nomes são fictícios) contrataram Mévio, pelo valor de R$ 5000,00 (cinco mil reais) para que este matasse Tibúrcio. O objetivo de Tício e Caio não era a morte em si, mas sim a subtração de valores que Tibúrcio possuía em um cofre guardado no estabelecimento comercial que servia à compra e venda de veículos.
b) Mévio cumpriu com o acordo, ato contínuo Tício e Caio subtraíram os valores, bem como alguns veículos, os quais foram vendidos para terceiros, dentre estes Abrenúncio, que saberia da origem ilícita do bem (foi posteriormente absolvido).
 
c) Um ano após, Mévio entrou em contato com Tício, pedindo-lhe mais dinheiro, sob pena de entregar-lhe à polícia. Tício e Caio contrataram então Adonias para que matasse Mévio, o que de fato foi feito, inclusive com ocultação do cadáver, encontrado um mês após o crime.  
 
Juridicamente:
 
Latrocínio, receptação e ocultação de cadáver não são matérias para o Tribunal do Júri, eis que não são crimes dolosos contra a vida, estes sim de competência do colegiado leigo, segundo se extrai do art. 5°, inciso XXXVIII, da CF. Portanto, segundo a regra constitucional, apenas o homicídio deveria ser posto a julgamento perante os jurados.
 
Contudo, o artigo 76, II, do CPP, informa que:
 
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
 
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações [...];
 
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
 
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
 
No caso concreto apresentado o homicídio (segunda morte) foi cometido para ocultar o latrocínio anteriormente praticado, bem como para conseguir a impunidade com relação a este. Da mesma forma, a ocultação de cadáver deu-se para ocultar e garantir a impunidade em relação ao homicídio praticado. A doutrina classifica tal conexão como sendo: OBJETIVA, LÓGICA ou MATERIAL.
 
Por sua vez, a prova do latrocínio apresentava estreito vínculo com a prova da receptação praticada (nem sempre a receptação é conexa com o crime anterior). A doutrina classifica tal conexão como sendo: INSTRUMENTAL ou PROBATÓRIA.

Logo, houve um link entre os fatos apto ao reconhecimento da conexão, ou seja, união da apuração dos fatos em um único processo. A partir disto, deverá ser determinada a competência. Deverá o Magistrado singular julgar o feito? Ante a presença de três delitos de sua competência, incluindo dentre estes o crime mais grave? Ou do Tribunal do Júri, ante o crime doloso contra a vida?  
 
O artigo 78, I, do CPP expressa que a competência será do Tribunal do Júri, e mesmo que não o fizesse assim o seria, em face da especialidade e previsão constitucional de sua competência.

Por isto, o Tribunal do Júri decidiu sobre receptação, latrocínio e ocultação de cadáver, mesmo que estes não sejam crimes dolosos contra a vida.

Abraço a todos,

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