quarta-feira, 29 de maio de 2013

Inquérito policial instaurado mediante notícia anônima


Siga os fatos:

 
1) Delegado de Polícia recebe denúncia anônima, dando conta do crime de falsidade documental e do local em que poderiam ser encontrados o autor dos fatos e o equipamento para prática do falso.

2) Com base na denúncia anônima formulada instaurou inquérito policial mediante portaria (notitia criminis de cognição direta ou imediata).   

3) Apurou os fatos conforme narrado na denúncia anônima identificando autor e materialidade do crime de falsificação de documento público, no caso, certificados de conclusão do ensino médio.

4) Remetido o inquérito ao Fórum, foi oferecida denúncia pelo membro do Ministério Público (ação pública incondicionada) no prazo legal de 15 dias (réu solto). A denúncia foi recebida depois de defesa preliminar.

5) No Tribunal “Y” o réu impetrou Habeas Corpus objetivando o trancamento da ação penal sob o argumento de que a ação penal contra si promovida tem por base inquérito policial instaurado por notícia anônima, o que seria inconstitucional ante a vedação do anonimato com previsão no art. 5º, IV, da Constituição Federal.

Juridicamente:

De fato a Constituição Federal, no disposto supra indicado, reza que: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Neste contexto, no Habeas Corpus n. 84827, impetrado perante o STF, o Ministro Marcos Aurélio expôs que: “Acrescento que se, de um lado, há de se ouvir o cidadão, de se preservar a manifestação do pensamento, de outro, a própria Constituição Federal veda o anonimato – inciso IC do artigo 5°. Sob o ângulo da inviolabilidade da vida privada, é ainda a Carta da República que assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da inobservância da vedação. É justamente esse contexto que bem diz com a vida de um Estado Democrático de Direito, com a respeitabilidade própria ao convívio das pessoas em cultura satisfatória que direciona à impossibilidade de se agasalhar o denuncismo irresponsável, maculando-se, sem seriedade maior, a vida das pessoas.” Pelo que o STF determinou, no caso, o trancamento de investigação criminal com base exclusiva em denúncia anônima.

O assunto não encontra entendimento pacífico, eis que, mesmo que vedado o anonimato, é certo que a investigação criminal pode se iniciar de ofício, ou seja, sem qualquer provocação, conforme art. 5°, inciso I, do CPP. Ademais, a aceitação de que o anonimato da notícia de um delito impede a investigação, seria lançar por terra as ferramentas criadas pelo próprio Estado no sentido de fazer cessar violências que vitimam idosos, crianças e indefesos em geral que encontram defesa em informações anônimas oriundos, de regra, dos parentes e vizinhos. O próprio STF, em decisão posterior, admitiu a realização de investigações preliminares em caso de notícia crime anônima (HC 95244).

Nos parece que a expressão chave da decisão que trancou investigação iniciada em denúncia anônima, acima referida, seria: “agasalhar o denuncismo irresponsável”. Ou seja, a notícia anônima em si não é apta a autorizar ou desautorizar a investigação criminal, sendo que esta deva ser analisada em conjunto com o contexto em que foi oferecida e dos elementos por esta trazidos.  

Logo, creio que a resposta quanto à possibilidade de início da investigação criminal mediante notícia anônima será positiva ou negativa de acordo com as circunstâncias e elementos da notícia anônima em si.

No caso concreto que deu início ao presente escrito (no qual adequamos apenas o delito narrado) o Tribunal “Y” não concedeu a ordem de Habeas Corpus sob o fundamento de que a investigação, embora iniciada por notícia anônima se deu com cautela e discrição até que novos elementos de autoria e materialidade fossem colhidos.

Abraço a todos,

 


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